Podcast #028 – Nutri João Gabriel Abre O Jogo Sobre Refluxo, Colesterol E Dieta Low-Carb

Quando nós começamos o Senhor Tanquinho, não conhecíamos bons blogs sobre alimentação e saúde em português.

Por isso, comemoramos cada vez que descobrimos bons recursos – como o blog do Doutor Souto, e mesmo o Emagrecer de Vez do Rodrigo Polesso.

E foi também com alegria que conhecemos o blog Ciência Da Nutrição, do Nutricionista João Gabriel.

Nele encontramos bons artigos, todos bem embasados – tanto que já queríamos trazer o João para o Podcast há um bom tempo.

(Inclusive, depois de já termos agendado esta conversa, um leitor nos sugeriu convidar o João para o Podcast. Para você ver como nossos leitores são espertos!)

E você que também é esperto(a) vai adorar a entrevista de hoje.

Porque nela, vamos falar sobre:

  • o que é a Ciência da Nutrição,
  • como o João largou a faculdade de administração e se tornou Mestre em Nutrição,
  • o que é o refluxo gastroesofágico,
  • quem tem refluxo pode fazer a dieta low-carb?
  • como a low-carb ajuda a tratar o refluxo,
  • o que é SIBO e como as bactérias do seu intestino podem te fazer passar mal,
  • por que o pão integral pode ser pior para você do que o pão branco ou comum,
  • o que é colesterol, e por que temos medo dele,
  • HDL, LDL, glicemia, triglicerídeos… com o que você precisa se preocupar?
  • a ingestão de gorduras realmente faz mal para você?
  • estatinas funcionam… mas não pelo motivo que 99% das pessoas acredita,
  • como interpretar exames de sangue,
  • por que você não deve confiar nos valores “normais” de exames de sangue,
  • cuidados com a supressão de evidências (e por que preferir meta-análises e revisões sistemáticas),
  • como ter noção do seu risco cardiovascular – uma medição simples que você pode fazer em casa e acompanhar ao longo do tempo para saber se está saudável,

e muito mais!

Ouça o podcast clicando no player abaixo:

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Lembre-se de compartilhar este episódio com alguém que você conhece e sofre com refluxo (ou que tem dúvidas sobre gorduras e colesterol).

Porque a informação deste podcast pode fazer a diferença na vida desta pessoa – e talvez até mesmo curá-la dos sintomas do refluxo para todo o sempre.

E ajudar essa pessoa a comer melhor e viver mais.

Depois, fique à vontade para deixar um comentário no blog do João – porque ele sempre lê todos, e tenta responder à maioria.

Se você gostar do podcast, deixe uma avaliação no iTunes e um comentário aqui embaixo – pois nós contamos com seu feedback para melhorar o podcast cada vez mais.

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Inclusive, se você gosta de nossos entrevistados, saiba que eles tiveram acesso ao nosso livro e nos forneceram diversos feedbacks que foram incorporados a versão do final do livro.

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Transcrição Completa Do Episódio

Guilherme: Olá, Tanquinho! Olá, Tanquinha! Bem-vindos a mais um episódio do nosso podcast.

Roney: E hoje nós trazemos para você o nutricionista João Gabriel.

O João é nutricionista, e a gente conheceu o trabalho dele pelo excelente blog Ciência da Nutrição. Nós adoramos os assuntos que ele abordou e a forma como ele escreve.

Guilherme: E aí, João, tudo bem com você?

João Gabriel: Opa! Tudo certo, sim.

Guilherme: Então por que você não se apresenta para a nossa audiência e conta um pouquinho mais de você e do seu trabalho?

João Gabriel: Então, como já foi dito, meu nome é João Gabriel.

Eu sou formado em Nutrição pela UnB, Universidade de Brasília, também tenho mestrado pela UnB, e ao longo dos últimos anos tenho trabalhado com a Nutrição.

Eu já trabalhei em várias áreas e uma delas é justamente o blog, pelo qual o pessoal me conheceu e muita gente também me conhece, e eu tenho tentado justamente – como o próprio nome do blog diz – trabalhar em cima da questão científica da Nutrição.

Porque muito do que a gente vê e ouve sobre a Nutrição tem muito do que a geralmente chama de achismo – e pouco de Ciência.

E a ideia não é usar a Ciência como forma de restringir ou controlar a alimentação das pessoas, mas sim entender o que nós estamos fazendo.

E assim encontrar formas mais inteligentes de lidar com a alimentação do dia a dia, de uma forma, na verdade, mais prática e ao mesmo tempo benéfica.

Sempre que possível, buscando reduzir possíveis problemas ou potenciais prejuízos que a informação utilizada de forma errada pode gerar para a gente.

Então é isso o que eu, basicamente, tento fazer principalmente com o blog, já que ele consegue atingir muita gente e pessoas do Brasil todo.

Guilherme: Perfeito!

Nós percebemos isso na sua escrita: o fato de que a Ciência é o enfoque para apoiar as decisões – sejam as suas ou as dos pacientes e dos leitores –  e não uma corrente para restringir as opções das pessoas.

João Gabriel: Exatamente.

Curioso que, já falando sobre isso, vou falar um pouquinho…

Recentemente fizeram um comentário no blog sobre terrorismo nutricional, que é um termo que eu ouço falar pouco recentemente.

Teve uma época que se falava bastante. E a pessoa fez um comentário perguntando o que era.

Quando é uma mensagem escrita a gente nunca tem certeza sobre qual é o tom que a pessoa usa, se ela realmente está com uma dúvida, se ela às vezes está fazendo uma pergunta como uma forma de “testar” o que eu acho, qual vai ser a minha opinião sobre o assunto…

Mas enfim, ela perguntou sobre isso – sendo que as próprias pessoas que utilizam esse termo “terrorismo nutricional” geralmente acham que as pessoas que se baseiam na Ciência para falar sobre alimentação, acabam seguindo esse caminho errado.

O caminho que usaria a Ciência para falar: “Ah, a Ciência diz que você não pode fazer isso, isso e isso. Nada disso, nada disso, nada daquilo e você só pode seguir esse caminho aqui, esse caminho restrito”.

Mas, como eu acabei de falar, é justamente o contrário.

A gente quer usar a Ciência justamente para poder ajudar a restringir o mínimo possível, mas ao mesmo tempo ter consciência do que nós estamos fazendo na prática.

Roney: Uma outra pergunta que nós gostaríamos de fazer antes de nós entrarmos naqueles assuntos de hoje é a seguinte: como você começou a se interessar por Nutrição? Por que você escolheu isso como carreira?

João Gabriel: Essa é uma pergunta curiosa porque quando eu mesmo paro para pensar, eu não tenho certeza se eu sei a resposta.

Foi algo que foi meio que surgindo naturalmente.

No ensino médio, eu lembro de ter tido um pouco de influência do meu irmão e do meu primo, que são um pouco mais velhos que eu, e eles estavam começando a malhar e tudo mais.

Eles começaram a prestar um pouco mais de atenção na alimentação e eu lembro disso ter me influenciado um pouco.

Mas, ao mesmo tempo, eu também consigo lembrar que um pouco antes disso teve um despertar de interesse que eu não lembro exatamente de onde foi, mas eu já estava começando a me interessar pela alimentação.

Então eu não vou saber dizer exatamente como foi, mas foi mais ou menos por aí.

E aí com o tempo eu também comecei a malhar um pouco e prestar atenção na minha alimentação e tudo mais.

E foi natural, fui cada vez gostando mais, e via como a alimentação influenciava, como ela está tão presente nas nossas vidas – afinal de contas a gente come o tempo todo, é uma das coisas que nós mais fazemos ao longo do dia.

E aí eu fui gostando, gostando… mas nesse ponto tem um aspecto curioso que é: assim que eu me formei no ensino médio eu passei na UnB para Administração. Fiz o PAS (uma forma de ingresso na UnB) e escolhi Administração.

Na época eu pensava que eu deveria escolher uma carreira, digamos, mais segura e que teria mais um curso que me daria mais oportunidades, ? Aí eu fui pela Administração, que muita gente diz que é o curso de quem não sabe o que quer fazer da vida.

Só que logo depois do primeiro semestre eu já sabia que não era o que eu queria.

Aí eu já pensei em mudar, continuei mais um semestre em Administração, pensando: “Não, vamos ver o que vai dar aqui”, mas realmente não era o que eu queria e, assim, eu já sabia, com certeza, que seria Nutrição e aí logo depois eu mudei de curso e dei seguimento.

Guilherme: Ah, muito legal.

Realmente a gente é forçado a escolher bem cedo a carreira.

João Gabriel: Pois é, exatamente.

Guilherme: E nem sempre acerta de primeira.

João Gabriel: Acho que, se brincar, a maioria das pessoas erra, na verdade.

Guilherme: É, acredito que sim.

E uma curiosidade só, última, antes de nós começarmos as perguntas, é que depois da gente já ter convidado você para o podcast, já ter marcado essa conversa, nós recebemos um e-mail de um leitor sugerindo entrevistar você, falando: “Entrevista o João Gabriel porque eu gosto muito do blog dele” e eu falei: “Legal”.

João Gabriel: Legal!

Guilherme: Então vamos começar com as perguntas que nós separamos.

E a primeira diz respeito ao refluxo, refluxo estomacal, gastresofágico, enfim, e a dieta low-carb.

E a pergunta que a gente mais recebe a esse respeito é a seguinte.

Quem tem refluxo pode fazer uma dieta baixa em carboidratos?”

João Gabriel: Não só pode, como, a princípio, a gente pode dizer que deve.

Essa é uma área, assim como algumas outras, que poderia ser facilmente estudada pela Nutrição e não é. Talvez porque pareça algo muito simples e que não incomoda e que não é sério e aí talvez não receba atenção por causa disso.

Mas os poucos estudos que nós temos nessa área mostram que uma dieta low-carb geralmente alivia ou até leva a remissão dos sintomas em quase todos os pacientes.

Eu acho que dos poucos estudos que nós temos, em todos eles, mais da metade, todos os pacientes que seguiam uma dieta low-carb melhoraram. Melhoraram 100% e aí reduziram totalmente o uso de medicamentos e 0% de sintomas, pelo menos isso enquanto duraram os estudos.

O único problema dos estudos dessa área é que, apesar de serem em seres humanos, eles são o que nós chamamos de ensaio clínico não randomizado, sem grupo-controle.

Então o que acontece?

Em vez de você ter um grupo de pessoas divididos em dois, sendo que metade das pessoas segue o que elas sempre fizeram e metade muda a alimentação, segue uma dieta low-carb e vê como a dieta low-carb se compara à alimentação normal do outro grupo.

A gente geralmente tem todo mundo que tinha uma dieta habitual comum e passa a seguir uma dieta low-carb e no final nós vemos o que aconteceu.

Quando nós não temos um grupo-controle, nós não temos certeza se foi um efeito simplesmente, por exemplo, do tempo – se ao longo das semanas os pacientes melhoraram, na média – ou se realmente foi um efeito da dieta, da intervenção.

Então a gente fica um pouco em dúvida se realmente foi efeito da dieta low-carb ou não.

Mas como os resultados são tão consistentes, a gente imagina que realmente é.

Além disso, nós temos estudos que não se preocupam primariamente, diretamente, com o refluxo – estudos com dieta low-carb, com grupo-controle – e que, por acaso, os pesquisadores falaram: “Ah, vamos medir aqui também o refluxo, como é que esses pacientes vão melhorar ou não em relação ao refluxo”.

E a gente tem estudos com grupo-controle, que o refluxo é uma variável secundária, em que os pacientes também melhoram.

Então nós vamos juntando as peças e vendo que realmente parece que a dieta low-carb melhora sintomas – não só sintomas – como também o uso de medicamentos para refluxo, que muita gente utiliza.

E outro detalhe importante sobre a Ciência nessa área é que nós temos estudos com grupo-controle de dietas low-fat, baixa em gordura para perda de peso, mostrando que essas dietas geralmente não melhoram os sintomas de refluxo, mesmo quando existe a perda de peso.

Porque a perda de peso acaba sendo um possível fator de confundimento; justamente porque quando você faz uma dieta low-carb você vai e perde peso, emagrece, e aí poderia ser um efeito da perda de peso e não necessariamente da dieta low-carb.

Como eu falei, se não tem grupo-controle e todo mundo fez a dieta e todo mundo perdeu, como é que a gente sabe se foi o tempo, se foi a perda de peso ou se foi a dieta em si que levou a esse efeito?

Então quando nós comparamos com os estudos de dietas restritas em gorduras, com grupo-controle, que geralmente não mostram melhoras nos sintomas de refluxos, nós temos mais um tipo de evidência apontando para o fato de que os estudos com low-carb que mostram a melhora dos sintomas, têm grandes chances de ser, pelo menos parcialmente, um efeito da alimentação, dessa restrição de carboidratos.

Então juntando essas peças todas, mesmo não tendo um número tão grande de estudos, a gente vai vendo aos poucos que, no mínimo, vale a pena tentar.

Porque o que mais a gente vê com os pacientes no atendimento clínico nesse tipo de caso, é que eles tentam vários tipos de restrição, porque normalmente o que se fala sobre refluxo é: “Ah, não pode comer chocolate, não pode comer muita gordura, não pode tomar café, não pode…”

Guilherme: Nem bebidas alcóolicas.

João Gabriel: É, geralmente são alimentos específicos, não pode bebida alcóolica… Eles tentam várias coisas e geralmente não funciona bem nenhuma dessas restrições.

Então se a gente junta esse conhecimento popular – que poderia estar certo –  de forma alguma eu sou contra o conhecimento popular, desde que ele seja realmente consistente e desde que, de preferência, a gente tenha evidências também que deem suporte a isso.

Mas se nós esquecemos um pouco isso e olhamos para a Ciência, o que ela tem mostrado, e tentamos aplicar isso – mesmo que não esteja correto, porque às vezes a Ciência pode apontar para um lado e nós testamos na prática e não é verdade -, mas se nós temos algo para direcionar, nós podemos usar.

Pelo menos, pensarmos em usar isso, que é justamente o caso da dieta low-carb em casos de refluxo.

Guilherme: Perfeito!

Nossa, foi uma explicação bem abrangente e incluiu vários pontos que nós queríamos, inclusive, perguntar.

Inclusive perguntar sobre esse fator da perda de peso ser uma variável de confusão.

Nesse sentido, a gente às vezes têm esses estudos mesmo, os ensaios clínicos não randomizados, no caso, mas que mostram por vezes todo mundo melhorando os sintomas.

Sendo que uma pergunta que nós recebemos quando, por exemplo, nós apontamos esses estudos para as pessoas é: “Qual seria o mecanismo pelo qual uma dieta com restrição de carboidratos poderia ajudar o refluxo?”.

Você tem alguma colocação sobre isso?

João Gabriel: Eu estava pensando justamente nisso agora.

Quando a gente fala: “Ah, funciona” ou “Não funciona”, aí muita gente já chega e pergunta: “Por quê?”.

Eu sempre gosto de dizer que entender o porquê é interessante e às vezes é importante, mas o mais importante de tudo sempre é o efeito.

Se nós sabemos que uma dieta low-carb, digamos que ela realmente funcione em casos de refluxos – e é o que tudo tem indicado, pelo menos na maioria das pessoas – o mais importante é saber isso: funciona, vamos usar.

Se a gente precisar entender o porquê, por exemplo, para juntar essa área com outra área e as duas coisas juntas ajudarem em outro tipo de tratamento, por exemplo, beleza.

Mas já entendendo o simples fato de que funciona, geralmente é suficiente.

Mas então falando sobre o porquê, como seria o mecanismo… ele é uma área pouco estudada na relação com a alimentação.

Porque o refluxo em si é bastante estudado, pelo menos era, há um certo tempo, até surgirem os principais medicamentos que eliminam os sintomas, mas não eliminam a causa do problema. São os inibidores da bomba de prótons, que são os antiácidos.

É uma área bem estudada, mas não na alimentação.

Então na alimentação nós ainda precisaríamos de muitos e muitos anos para realmente entendermos o que acontece a partir de uma alimentação low-carb que realmente faria diminuir os sintomas.

Mas as evidências preliminares que nós temos é que teria muito a ver, quer dizer, pode ter muito a ver com a microbiota intestinal, mais especificamente a microbiota do intestino delgado.

Porque quando nós falamos de microbiota intestinal – a gente usa esse termo mais genérico – mas normalmente nós estamos nos referindo à microbiota do intestino grosso.

Mas todo o trato gastrointestinal tem microorganismos, desde a boca, até o estômago, o intestino delgado, o intestino grosso e o reto; mas a parte mais concentrada, provavelmente, é mesmo o intestino grosso.

Enquanto o estômago provavelmente é o menos justamente pela produção de ácidos, que faz com que exista um controle maior dessas bactérias e outros microorganismos que habitam o nosso trato gastrointestinal.

E aí o que estaria acontecendo é um descontrole, um desequilíbrio das bactérias e micro-organismos no começo do intestino delgado. E quando eu falo desequilíbrio, eu não estou apontando para nenhuma direção.

Não é: “Ah, tem mais daquilo, ou menos disso”. No geral seria um aumento no número de bactérias, mas a gente não sabe como esse aumento acontece e quais tipos de bactérias realmente poderiam estar aumentados ou não, para causar o problema.

Mas o que estaria acontecendo? O aumento geral das bactérias numa área que não deveria ter tantas bactérias assim e a esse processo nós damos o nome de SIBO – que em inglês significa Supercrescimento de Bactérias do Intestino Delgado – e esse supercrescimento, pelo número maior de bactérias, faria com que a produção de gases nessa região do intestino fosse maior; justamente porque um dos subprodutos do metabolismo das bactérias são os gases.

Eles consomem substratos energéticos para elas, para o seu crescimento e desenvolvimento, e liberam gases de tipos variados.

E como existiria uma maior concentração de bactérias, aconteceria uma maior produção de gases e esses gases fariam com que houvesse um aumento na pressão intra-abdominal e essa pressão faria com que o esfíncter, que divide o estômago do intestino, sofresse por causa dessa pressão.

E o esfíncter se abriria em momentos em que não deveria se abrir e aí parte do conteúdo do intestino faria justamente esse movimento contrário, faria esse movimento de refluxo do intestino para o estômago e do estômago para o esôfago.

Guilherme: Entendi.

Realmente acho perfeita a sua colocação, tanto começando com o fato de que, afinal a pessoa não quer ter refluxo, não importa muito o porquê, se a gente tem um jeito de evitar, atenuar, ou mesmo reverter os sintomas disso.

Mas essa explicação mecanística também é interessante até porque nós sabemos, exatamente igual você falou, que muita gente não gosta de ver a entrada e a saída, aceitando uma caixinha preta no meio. E

les gostam de saber o porquê: “Por que isso acontece?” então ficou bem completo nesse sentido do refluxo e da dieta low-carb.

João Gabriel: Deixa só eu complementar porque agora que eu estou pensando, algumas pessoas podem estar ouvindo e não entender a relação direta do carboidrato com as bactérias.

Guilherme: Ah sim, por favor.

João Gabriel: Então a ideia seria a seguinte: o principal substrato energético das bactérias são os carboidratos.

Elas geralmente usam os carboidratos que nós chamamos de fermentáveis. Em alguns casos podem ser bactérias que, por exemplo, usam sacarose para a fermentação; algumas bactérias usam fibras, os diversos tipos de fibras.

Então quando nós fazemos uma restrição de carboidrato, nós restringimos geralmente todos os tipos de carboidratos – os fermentáveis e os não fermentáveis – então a parte importante acaba sendo principalmente a restrição dos carboidratos fermentáveis, que podem ser complexos ou simples, mas eles vão estar, de qualquer forma, restritos.

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E, com essa menor disponibilidade de carboidratos, nós diminuímos a disponibilidade de substrato para essas bactérias – e aí existiria uma tendência de caminhar de novo para o equilíbrio, que deveria existir antes do problema do refluxo estar acontecendo.

Então seria uma morte desse excesso de bactérias.

Então a SIBO, que eu falei antes, o supercrescimento bacteriano no intestino delgado diminuiria por falta de substrato para essas bactérias, consequentemente a produção de gases também diminuiria e isso faria com que a pressão intra-abdominal também diminuiria e aí reduz essa pressão nos esfíncteres, diminuindo também a volta do conteúdo do intestino, do estômago para o esôfago e aí nós temos a diminuição dos sintomas do refluxo.

Guilherme: E uma dúvida, então, que surge com essa explicação; será que uma restrição maior, por exemplo, uma restrição intencional de carboidratos fermentáveis, mas não tanto de outros também já teria um efeito positivo?

Por exemplo, restringindo alguns tipos de fibra, alguns frutanos, açúcares simples, enfim, FODMAPS no geral, já poderia ter um alívio dos sintomas, mesmo que a dieta não se tornasse necessariamente low-carb?

Embora seja menor do que, claro, uma dieta ocidental padrão, eu acredito, mas não seria necessariamente uma dieta baixa em carboidratos.

João Gabriel: Sim. Eu não digo “com certeza” porque cientificamente isso ainda não foi testado. Não que eu saiba. Mas é bem provável.

Essa hipótese, se estiver correta é, que nem eu falei e que nem você também colocou, o fato de haver carboidratos, em geral, não é o problema. O problema são os carboidratos fermentáveis.

É claro que é difícil você separar carboidratos fermentáveis de não fermentáveis porque geralmente eles estão juntos, dentro dos alimentos. Até mesmo farinhas e alimentos ricos em carboidratos que são feitos à base de carboidratos refinados, que perderam, por exemplo, boa parte das fibras, ainda vão conter na composição alguns carboidratos fermentáveis. Por exemplo, uma farinha de trigo refinada ainda tem carboidratos fermentáveis ali, mas tem bem menos do que a farinha de trigo integral.

Então se nós fôssemos fazer para um paciente, com refluxo, uma dieta à base de pão branco e para outro uma dieta à base de pão integral, é bem possível que o paciente com a dieta de pão branco apresentasse uma redução dos sintomas enquanto o de pão integral, não. Justamente porque com o pão integral você vai ter bem mais carboidratos fermentáveis do que com a dieta do pão branco.

Guilherme: Mas é claro que isso não implica (só para reforçar), que se você tem refluxo você tem que comer pão branco, ?

João Gabriel: Exatamente. [risos]

Roney: É só um comparativo entre pão branco e pão integral.

João Gabriel: Exatamente.

É só para dar uma ideia geral de que os carboidratos refinados poderiam fazer parte de uma dieta para refluxo, pensando apenas no mecanismo.

Mas é claro que existem formas bem mais interessantes, saudáveis e equilibradas…

Guilherme: E nutritivas.

João Gabriel: … do que consumindo pão branco.

Guilherme: Com certeza.

João Gabriel: Até porque, tocando na questão do pão, talvez manter o pão na dieta, no caso de refluxo, também não seja uma ideia boa por si só porque o glúten poderia ter influência nessa questão toda.

Então é um assunto um pouco mais complexo e aí dependeria de outras questões do contexto de cada indivíduo para saber se poderia ou não ter influência. Mas o glúten poderia influenciar também.

Roney: Legal que já mostrou que não necessariamente o pão integral também é mais saudável do que o pão branco.

Com isso a gente pode mudar aqui para o nosso próximo assunto, que é com relação a outro mito, que é do colesterol.

Nós temos como pergunta inicial para abrir o assunto: O que é o colesterol e por que a gente tende a ter medo dele? Por que é passado esse medo do colesterol para as pessoas?

Guilherme: E, para dar um pouco de contexto – quando nós mencionamos às vezes uma ingestão de gorduras naturais, seja das gorduras que todo mundo já sabe que são saudáveis, por exemplo, as monoinsaturadas, o pessoal associa alimentos como abacate, azeite, são saudáveis; enquanto outros que estão associados a gorduras saturadas, eles geram um temor maior nas pessoas e elas pensam: “Mas e o colesterol? Isso “dá” colesterol?”. [risos]

As pessoas têm esse medo já e é daí que motiva a nossa pergunta.

João Gabriel: É.

Esse é um assunto bem longo. Eu, provavelmente, vou acabar esquecendo algumas coisas que podem ser interessantes ou até relevantes nessa história, mas eu vou tentar fazer um resumo aqui.

O colesterol é o que nós classificamos como um lipídio e os lipídios são uma classe bem grande de compostos.

Dentro dos lipídios a gente tem, os principais exemplos, são o colesterol e as gorduras.

Então, na alimentação nós temos o colesterol presente apenas nos alimentos de origem animal.

Então ele vai estar sempre associado à gordura animal. E associado à gordura justamente por causa da questão da solubilidade.

Os lipídios não são solúveis em água. Basicamente em qualquer parte que eles estão do corpo, eles vão estar associados a outros lipídios ou a outras substâncias que também não têm boa solubilidade em água, então geralmente eles vão estar associados às gorduras.

Uma das distinções mais importantes a fazer é entre colesterol e lipoproteínas porque geralmente se fala “colesterol” para tudo, então…

A gente tem o colesterol, que é carregado por lipoproteínas. E o que são lipoproteínas? São as famosas LDL e HDL, principalmente. São as duas mais importantes.

E eu falo no feminino justamente porque são lipoproteínas, enquanto colesterol, nós temos ele no masculino.

E isso é importante de ficar claro porque geralmente a pessoa vai fazer um exame de sangue e ela fala: “O meu LDL deu tanto. O meu HDL deu tanto”. Ela está falando no masculino e não no feminino.

Mas não está errado. Eu vou explicar já, já o porquê, nesse caso, falar no masculino não está errado, apesar de LDL ser feminina porque é uma lipoproteína e HDL também ser uma lipoproteína.

Então deveria ser feminino – mas nesse caso, falar no masculino não está errado – mas já, já, eu chego aí.

Nós temos o colesterol, nós consumimos esse colesterol pela alimentação ou nós podemos produzir ele no corpo.

Inclusive a maior parte é produzida pelo próprio fígado e reaproveitada diversas vezes porque ele circula, vai e volta, vai e volta.

Mas a gente consome esse colesterol pela alimentação, ele chega no intestino, é absorvido, e no corpo – primeiro no sistema linfático e depois na circulação sanguínea – o colesterol é transportado pelas lipoproteínas.

Então nós temos uma primeira lipoproteína, que sai do intestino e vai até o fígado, que se chama quilomicron ou quilomícrom.

Eles transportam o colesterol e todos os outros compostos lipossolúveis – que não são hidrossolúveis – nessa primeira passagem, do intestino para o fígado.

Chegando no fígado, o colesterol pode ficar no fígado mesmo, para ser utilizado para alguma função, por exemplo, produção de algum hormônio; ou pode ser distribuído para o corpo.

Se ele for distribuído pelo corpo, ele vai ser empacotado em outra lipoproteína, que nós chamamos de VLDL – tipo uma LDL, só que ela tem uma densidade mais baixa.

Então ela é maior e ela está cheia de colesterol ali. Cheia de colesterol e, mais do que colesterol, ela carrega muitas moléculas de Triglicerídeos.

Então quando a gente mede Triglicerídeos no sangue, por exemplo, a gente, na verdade, está pegando essas partículas de VLDL e medindo o Triglicerídeo contido ali dentro – porque o Triglicerídeo não viaja sozinho na corrente sanguínea.

Ele viaja sempre empacotado em lipoproteínas também, assim como o colesterol.

E aí essa VLDL sai do fígado e vai distribuindo o seu conteúdo ao longo do corpo, principalmente gorduras, ou seja, ácidos graxos – que são o composto básico dos Triglicerídeos. Cada Triglicerídeo é composto por uma molécula de Glicerol e três Ácidos Graxos.

Então a VLDL que carrega os Triglicerídeos vai passando pelo corpo e deixando Ácidos Graxos ao longo do seu caminho. Com isso, ela perde gordura e fica rica em colesterol e é justamente essa transmutação, digamos assim, essa perda de gordura e aumento na riqueza de colesterol que transforma a VLDL em LDL. Nós temos essa mudança aí.

E aí, assim como eu acabei de dizer que nós medimos os Triglicerídeos no sangue, nós pegamos essa partícula de VLDL – e várias partículas – e vemos quanto tem de Triglicerídeos em cada uma delas; a medida do colesterol no sangue é a mesma coisa. Nós pegamos as partículas agora de LDL e medimos o quanto tem de colesterol dentro dessas partículas de LDL.

Por isso que lá no exame de sangue vai estar escrito LDL-C ou LDL-colesterol. É o colesterol contido dentro das partículas de LDL. Por isso que eu tinha falado antes que falar “meu LDL”, nesse caso, está certo porque apesar de as pessoas usarem só LDL e não LDL-colesterol, o que está sendo medido ali é o colesterol LDL. O colesterol dentro das partículas. Então falar no masculino não tem problema. Mas nós estamos falando do colesterol e não da partícula.

E a mesma coisa vale para o HDL.

O HDL é produzido e liberado pelo fígado, e percorre a corrente sanguínea.

E ele tem várias funções. Uma delas é pegar o colesterol que não está sendo utilizado e levá-lo de volta para o fígado.

Então quando nós temos o HDL no sangue, medido no exame de sangue, é a mesma coisa. Nós pegamos as partículas de HDL que estão ali e medimos o quanto de colesterol tem dentro delas.

E por que eu estou dizendo tudo isso? Porque a quantidade de colesterol que nós temos no sangue, que nós obtemos fazendo um exame de sangue, varia muito.

E ela não varia só de acordo com o que nós comemos, de acordo com o estado metabólico da pessoa.

Ela varia de acordo também com o tamanho e a quantidade de partículas que nós temos de LDL e HDL.

E eu toco nesse assunto justamente porque mais para frente eu vou falar um pouco sobre a questão do risco cardiovascular e de como isso se relaciona com o número e tamanho de partículas de LDL e HDL, que é algo que nós geralmente não medimos, que a maioria dos profissionais não pede nos exames de sangue.

E eu vou tentar explicar por que isso é relevante e o que as pessoas geralmente falam de certo e de errado sobre essas questões – porque tem muita coisa errada sendo falada também.

Guilherme: Então você explicou o que são as lipoproteínas LDL e HDL e acho que isso é uma ótima transição para a parte do risco cardiovascular.

E explicar por que temos contagem de partículas, tamanhos e tipos de partículas dessas lipoproteínas – e como essas diferenças influenciam o risco cardiovascular da pessoa.

João Gabriel: Antes um pouco de chegar nisso, eu vou, na verdade, complementar o que eu falei antes porque eu acabei falando muito em detalhes e acabei esquecendo alguns pontos que vocês tinham perguntado.

Inclusive a questão de por que as pessoas têm tanto medo e aí a gente volta para quando, algumas décadas atrás, isso começou a ser estudado.

Então a gente teve, mais ou menos na década de 50, vários experimentos em animais, mostrando que a ingestão de colesterol fazia com que esses animais desenvolvessem placas de gorduras nas artérias.

Isso foi feito com vários animais e alguns deles mostravam respostas enquanto outros não, principalmente os animais que tinham hábitos mais vegetarianos ou consumiam basicamente vegetais na alimentação. Eles geralmente tinham essa resposta mais exacerbada, enquanto os carnívoros geralmente tinham pouco ou nenhuma resposta em relação ao colesterol.

Mas começou a ser criada essa ideia de que o colesterol era responsável pelas placas de gordura nas artérias porque já se sabia que isso acontecia com os seres humanos. Não se sabia como.

Porque muitas pessoas morriam, eram feitas necropsias e observava-se que tinham placas de gordura nas artérias, principalmente próximas do coração das pessoas e queria-se entender por quê.

Começou com esses experimentos com os animais e pouco tempo depois o Ancel Keys, que muitos dos ouvintes já podem ter ouvido falar ou lido sobre; começou a fazer experimentos com seres humanos com a ingestão de gorduras, não só de colesterol. De colesterol também.

(O Danilo Balu conta em detalhes essa história em seu livro – e faz um resumo na entrevista que gravamos no Podcast.)

Ele primeiro observou que a ingestão de colesterol geralmente levava a um aumento no colesterol, apesar desse aumento ser pequeno – e ele começou a testar o aumento de gordura. O aumento na ingestão de gordura.

Então, nessa época, ainda não se media o colesterol LDL, colesterol HDL. Só se media o colesterol total.

E de, qualquer forma, os vários tipos de gorduras foram testados, inclusive subtipos de gordura saturada e, de maneira geral, os resultados eram bem consistentes em mostrar que, quando se ingeria mais gordura total, mas principalmente mais gordura saturada, o colesterol ia também aumentando. O colesterol no sangue.

E é importante mencionar que isso eram estudos controlados, então até hoje nós podemos afirmar isso: o aumento no consumo de gorduras, principalmente de gorduras saturadas, na média, leva ao aumento no colesterol.

E aí, diferentes tipos de gordura saturada vão levar a um maior aumento no LDL, maior aumento no colesterol HDL, mas isso realmente acontece.

Muita gente que consumir mais gordura saturada vai ter um aumento no colesterol, mesmo que esse aumento seja transitório, mas daqui a pouco a gente volta nesse ponto.

E aí, ao longo das décadas de 50, 60 e 70, vários estudos observacionais foram feitos. Tiveram dois mais clássicos, do próprio Ancel Keys, o estudo dos Seis Países – que alguns dizem que deveria ser de 22 países, e que ele deveria incluído os 22 na análise e aí justamente por isso muita gente critica – mas os resultados seriam basicamente os mesmos.

Quem critica esse estudo por esse detalhe dos 22 contra os seis países está tentando justificar o que não precisa nem ser justificado, na verdade.

Mas esse estudo e o Seven Countries, que é da década de 70 até década de 90 – foram muitos e muitos anos de pesquisa e análise – foram sedimentando essa ideia de maneira não só consistente, mas global, que o consumo de gordura, principalmente de gordura saturada, estava associado a um maior risco cardiovascular.

Mesmo que não fossem todos os estudos individualmente, todas as análises mostrando a mesma coisa, a tendência estava lá.

Nessa mesma época também, é curioso que também foram feitos um número bem razoável de ensaios clínicos, investigando como as gorduras da dieta influenciam o risco cardiovascular diretamente e a gente não está falando mais de estudos observacionais.

A gente está falando de estudo de intervenção. Mas também daqui a pouco eu chego nesse ponto.

E aí a ideia, ao longo das décadas, foi sendo sedimentada de que realmente a gordura, por aumentar o colesterol no sangue, era um problema.

E aí na década de 80, se eu não me engano em 1984, foi publicado um estudo bem importante que testava uma droga chamada Colestiramina, que é um sequestrador ou sequestrante de Ácidos Biliares.

Os ácidos biliares são compostos que auxiliam na diminuição de gorduras e eles são feitos à base de colesterol.

Então nós temos o colesterol no fígado, utilizado como base para fazer esses Ácidos Biliares, que são secretados durante a digestão. Eles são estimulados principalmente pelo consumo de gorduras quando chegam no intestino. E aí o que acontece?

Esse medicamento, como diz o nome, sequestra esses Ácidos Biliares, se ligam a esses Ácidos Biliares, não permitem a reabsorção deles, são excretados e como eles não são reabsorvidos, o corpo é obrigado a fazer mais.

E ele usa o que para fazer isso? colesterol. Então o colesterol do corpo como um todo vai sendo reduzido, inclusive o colesterol sanguíneo porque o fígado tem que pegar de algum lugar, do sangue, no caso, para fazer mais Ácidos Biliares.

Então esse medicamento leva à redução do colesterol sanguíneo, e colesterol corporal como um todo, e nesse estudo de 1984 eles viram que as pessoas que utilizaram esse medicamento, em relação àquelas que usaram placebo, tiveram uma redução significativa do risco cardiovascular.

E aí esse foi o estudo que provavelmente definiu essa história como verdade, que o colesterol e as gorduras estão diretamente relacionados – não somente relacionados, mas causam – as doenças cardiovasculares.

Inclusive esse é o estudo que foi o foco daquela matéria de capa, que todo mundo conhece, com o ovo e a cara do bacon para baixo, fazendo o bacon com a carinha triste.

Guilherme: Da revista Time, ?

João Gabriel: É, exatamente.

Só que o grande problema é que o estudo nem era sobre alimentação, ? Ele era sobre um medicamento e a capa mostra dois alimentos lá, ? Um rico em gordura e um rico em colesterol.

Mas foi aí que provavelmente foi a cartada final nessa história e depois disso pouco se discutiu sobre a importância ou não de se explorar mais essa área. Já estava definido como o colesterol o grande problema.

E já nesse ponto vale mencionar que, lá atrás, com o próprio Ancel Keys já sabia – esse estudo de 84 não é dele, é outro estudo independente – mas lá atrás ele mesmo já tinha demonstrado que a ingestão de colesterol, mesmo afetando um pouco os níveis de colesterol sanguíneo, o aumento era pequeno – quando acontecia.

Então mesmo que esse medicamento reduzisse o colesterol sanguíneo e reduzisse o risco cardiovascular, ainda não teria como dizer que era o colesterol da dieta o problema.

Porque ele, a princípio, não seria o responsável por aumentar o colesterol. Teria que se descobrir o que está aumentando o colesterol sanguíneo das pessoas.

E aí a discussão foi se fechando. Entre a década de 70 e 90, principalmente 80 e 90, foi quando os países começaram a discutir melhor Diretrizes Nutricionais para as suas populações e os Estados Unidos como sempre tiveram à frente nas áreas de pesquisa, eles acabaram sendo o modelo a ser seguido.

E aí foi seguindo essa área junto com as questões de Pirâmide Alimentar, que a gente poderia discutir também.

E aí, como virou uma “verdade”, todo mundo começou a falar de maneira unânime sobre isso e as recomendações desde então foram as seguintes.

“Evite gorduras, principalmente gordura saturada nos alimentos de origem animal, porque essas gorduras vão fazer aumentar o seu colesterol e o colesterol aumentado é uma causa de doença cardiovascular. A principal causa, provavelmente”, na cabeça de quase todo mundo.

E aí é por aí.

Essa é a história, história bem resumida, para falar a verdade, de como todo esse mito sobre o colesterol foi criado.

E aí se vocês quiserem a gente pode entrar em questões específicas. Eu posso tentar explicar por que e onde está o problema nessa visão.

Roney: Ah, acho que sim. Acho que é uma boa explicar por que na verdade não é necessário todo esse medo do colesterol também e quais seriam outros fatores mais indicadores de risco cardiovascular.

João Gabriel: Eu acho que a coisa mais importante de se ter em mente é que o colesterol aumentado é, sim, um fator de risco importante; principalmente se for o colesterol LDL.

Então uma pessoa comum vai fazer o seu exame de sangue e observa que o seu colesterol LDL está aumentado.

Isso, por si só, pode não dizer nada, mas geralmente vai dizer alguma coisa porque como…  eu ainda não escrevi textos muito específicos sobre isso porque é uma história muito complicada, cheia de muitos detalhes, e eu teria que ter um tempo livre grande para conseguir me dedicar a escrever tudo isso certinho, bonitinho. Mas eu já escrevi isso em vários comentários, em várias respostas.

Quase toda semana chega uma dúvida sobre isso e eu sempre falo: o colesterol aumentado é um indicativo importante, é interessante. Mas o importante não é ver, não é saber simplesmente se ele está aumentado ou não. É entender o porquê, como isso aconteceu.

Então, aí voltando no que eu já tinha falado, o próprio Ancel Keys viu, e a gente tem vários estudos mostrando isso, até alguns mais recentes, que um maior consumo de gordura saturada leva, sim, a um aumento no colesterol.

Mas isso não quer dizer um risco cardiovascular aumentado, mesmo com o que eu acabei de falar, que o colesterol aumentado geralmente é um fator de risco.

Por que? Porque o mecanismo pelo qual a gordura saturada leva ao aumento de colesterol é diferente do mecanismo que leva a um aumento de colesterol que uma pessoa com sobrepeso tem. Então a grande questão é como esse colesterol se tornou aumentado.

Em 90% ou mais dos casos as pessoas apresentam um aumento de colesterol por causa de uma desregulação metabólica, geralmente acontece com o aumento de peso, o acúmulo de gordura corporal.

E esse acúmulo de gordura corporal, esse aumento de peso, leva a um quadro de resistência à insulina que, por sua vez, vai evoluindo, a pessoa chega no sobrepeso, muitas vezes na obesidade, desenvolve Síndrome Metabólica e depois da Síndrome Metabólica, o Diabetes tipo 2.

É uma sequência de eventos que, desde o começo do aumento de peso, você já vai começar a observar um aumento no colesterol sanguíneo e também outros marcadores: a Glicemia vai subir, os Triglicerídeos vão subir, o colesterol HDL vai cair…

Guilherme: Então, assim, só para fazer um pequeno resumo disso que você falou agora, sem querer colocar o carro na frente dos bois nem nada – que eu sei que você ainda tem bastante coisa para falar sobre o assunto – mas o fator de risco mais importante do que uma medida isolada é a saúde metabólica do indivíduo como um todo.

João Gabriel: Exatamente. Com certeza. E as duas coisas estão juntas.

O problema de falar só saúde metabólica e de não usar nenhum marcador é porque às vezes a pessoa vai ficar perdida se ela não olhar nenhum marcador.

É verdade por um lado, mas não tanto por outro porque, geralmente, visualmente você consegue olhar para uma pessoa e você consegue saber se ela está bem metabolicamente ou não. Mesmo sem você conhecer a pessoa, mesmo sem você saber dos exames dessa pessoa porque ela vai estar, ou evidentemente com sobrepeso, ou ela vai estar, pelo menos, com um aumento na circunferência da cintura.

E esse aumento na circunferência da cintura nem precisa ser muito grande porque nós temos vários e vários exemplos de pessoas que, aparentemente, são magras, mas que você vê que para aquela pessoa, ela já está com uma cintura, uma circunferência abdominal aumentada. E ali já é um indicativo claro de que ela provavelmente está com a saúde metabólica, pelo menos, um pouco prejudicada.

Guilherme: Para clarificar: você está dizendo uma avaliação simplesmente visual da pessoa, em que você percebe o padrão de deposição de gordura dela na região abdominal.

João Gabriel: Exatamente.

E se a pessoa tiver o excesso de peso, sobrepeso ou obesidade evidente, aí não tem nem muito o que dizer. Se você pegar os exames dela ou dessa pessoa que tem só o aumento na circunferência abdominal, você vai conseguir confirmar que ela está com a saúde metabólica prejudicada.

Porque os exames que eu falei – Glicemia, Triglicerídeos, colesterol LDL e HDL – todos esses são marcadores e eles vão indicar como está a saúde metabólica da pessoa.

Em alguns casos eles até podem representar, atuarem como fatores causais de problemas, secundários, mas até podem.

Só que a grande questão que eles representam é como marcadores, como indicadores de que existe um problema por trás de tudo isso.

E o corpo é basicamente, quando nós falamos desses assuntos, como se fosse uma balança energética.

Quando ele percebe que está entrando e está acumulando mais energia do que ele precisa, ele dá vários indicativos de que isso está errado, que ele não precisa daquilo.

Começa tudo, obviamente, com o acúmulo de gordura, por isso que foi o primeiro ponto que eu toquei e aí depois, como é algo sistêmico, como o corpo está todo integrado, ele começa a mostrar que a um desbalanço em várias frentes. E esses marcadores – colesterol, Triglicerídeos, Glicemia – são justamente isso.

É mais uma forma do corpo mostrar para a gente ou de ele mostrar para ele mesmo também (porque tudo isso ele consegue regular, de certa forma); dele mostrar que o equilíbrio energético do organismo está errado.

A própria Resistência à Insulina, só para dar um exemplo mais claro.

O corpo entra num estado de Resistência à Insulina, ou seja, grande parte das células “rejeita” a Glicose porque já tem muita energia dentro das células, então ele não quer mais energia e uma das formas que ele tem de evitar o excesso, que já está começando a acontecer, de energia dentro das células, é justamente diminuindo a captação de Glicose – e ele faz isso se tornando resistente à Insulina.

Porque se a Insulina liga, mas não faz a sua ação, os transportadores de Glicose não sobem para a membrana das células e não captam Glicose.

Ah! E só um detalhe: se a Glicose não está entrando na célula, a Glicose se torna aumentada no sangue. É por isso que uma pessoa com Resistência à Insulina vai ter a Glicemia alterada.

Então todos esses marcadores, eu poderia citar aqui um por um, e explicar o que eles significam nesse cenário de regulação energética.

Todos eles conseguem mostrar para nós que o corpo está falando: “Calma, tem energia demais aqui! Vamos dar uma segurada”.

Por isso que eu falo que o colesterol é um bom marcador.

Todos eles, o LDL, o HDL, as razões entre eles – você pode calcular, por exemplo, a razão entre Triglicerídeos e colesterol – enfim, todos eles são bons marcadores, mas eles indicam que o corpo está num estado metabolicamente prejudicado. Eles não são a causa do problema, eles são só indicativos.

Guilherme: Eles são basicamente uma luz que acende para avisar que tem um problema. Se você só apagar essa luz, não vai resolver o problema.

João Gabriel: Exatamente.

Por isso que simplesmente pegar um alimento que reduz o colesterol: “Ah, vou começar a fazer vitamina com linhaça”, achando que isso vai reduzir o meu colesterol.

(Na nossa opinião, é melhor pegar essa linhaça e usar para fazer um pão low-carb delicioso.)

Beleza, pode até reduzir o seu colesterol, mas você está só “apagando a luz”, como você acabou de falar. Você não está indo na raiz do problema para eliminar o problema.

E aí, onde a gordura saturada e o aumento do colesterol pelo aumento de gorduras entram nessa história? Entra justamente no ponto do aumento de colesterol.

Se você tem uma pessoa saudável que passa a consumir mais gordura saturada, ela tem boas chances de apresentar um aumento de colesterol. Algumas vão, outras não.

Mas se ela apresenta um aumento no colesterol, nesse caso, não é um problema.

Por quê? Porque, como eu falei antes, o colesterol aumentado não é uma causa futura de uma doença cardiovascular.

Ele só é um indicativo de que metabolicamente o corpo não está bem, no caso de uma pessoa que ganha peso, que desenvolve Resistência à Insulina, mas no caso de uma pessoa que só come mais gordura saturada, ele aumentou por aumentar, digamos assim.

É uma resposta natural do corpo. Só isso. Então como não existe um problema real por trás, esse aumento também não é problemático. Ele é só uma resposta natural do corpo que algumas pessoas respondem dessa forma e outras não.

Guilherme: Excelente.

E quando você menciona esses níveis alterados – acho que você mencionou especialmente o LDL, claro, e as razões – o que a pessoa, quando ela recebe o exame de sangue dela, o perfil lipídico, enfim, o que ela precisa estar de olho?

O que ela pode olhar para saber se ela tem que investigar mais a fundo e ver se tem algum problema?

João Gabriel: Então, eu sempre recomendo olhar em conjunto.

Principalmente o colesterol LDL, os Triglicérides e a Glicemia. Hoje, geralmente o HOMA-IR já vem calculado junto com a Glicemia, principalmente quando se faz o exame de Insulina, Insulina Basal.

Mas o colesterol LDL, a Insulina e os Triglicerídeos, os três junto são importantes e, lógico, o peso da pessoa e a circunferência abdominal.

Mas se você olhar esses três exames no exame de sangue, eles vão conseguir te indicar.

Você pode se basear nos valores de referência que lá têm lá do laboratório, mas a minha sugestão seria que olhasse com um pouco mais de cuidado porque os valores de referência acabam sendo um pouco abrangentes demais.

Então, por exemplo, uma pessoa que está com Glicemia de 90 ou até 88, por exemplo, só que Triglicerídeos de 120, ela pode achar que está relativamente bem.

E ela está: ainda está relativamente bem, se comparado com várias e várias outras pessoas.

Mas, com esses valores, o corpo já está começando a dizer que algo não está certo.

O balanço energético do corpo já está pendendo para um lado de excesso. Isso sem falar do colesterol LDL, ou até mesmo do colesterol HDL. Às vezes nem precisa.

Como eu falei, todos esses marcadores sempre apontam para a mesma direção.

Existem outros fatores que podem modificar todos esses valores, mas eles geralmente estão apontando para a mesma direção e é justamente essa: de que existe um desbalanço metabólico, um desequilíbrio energético no corpo quando eles começam a se tornar alterados.

Quando eles começam a aumentar – ou no caso do colesterol HDL, quando ele começa a diminuir.

Então é sempre bom ter um pouco de atenção nisso e o Triglicerídeo é bem interessante nesse sentido porque ele é o marcador, desses mais clássicos que indicam saúde metabólica, que é mais volátil.

Então ele mais rapidamente responde à composição corporal da pessoa e a própria alimentação.

Então para você saber se metabolicamente você está bem, olhar para os Triglicerídeos no curto prazo é sempre bom. Sempre é um bom indicativo.

Inclusive, juntando o que a gente falou antes sobre refluxo, dieta low-carb e saúde metabólica agora, um dos principais indicativos de que uma dieta low-carb geralmente faz bem para a saúde metabólica, são os próprios Triglicerídeos.

Independentemente do que acontece com os outros marcadores, ele geralmente responde muito bem, melhor do que as outras intervenções.

Talvez não melhor do que a Dieta Mediterrânea (porque existem outros detalhes nessa história), mas a dieta low-carb sempre faz os Triglicerídeos responderem bem e isso indica o efeito metabólico que a gente vê com as dietas low-carb.

Não à toa as dietas low-carb – saindo um pouco do assunto, mas na verdade tem tudo a ver – são, até hoje, as que melhor mostraram resultados no sentido de diminuir a Esteatose Hepática, que é a gordura no fígado. E a gordura no fígado é muito importante em toda essa história.

Muita gente acha que é só uma coisinha: “Ah, eu estou com uma gordura no fígado e está tudo bem, mas o resto está bem, o Doutor disse que está tudo certo. É só cuidar um pouquinho da alimentação”. Mas ali é onde tudo começa.

Nós achamos que não, mas o fígado apresenta esse acúmulo de gordura justamente por aquilo que eu estava falando antes: apesar de nós acumularmos energia, principalmente no tecido adiposo, que fica principalmente embaixo da pele, quando o corpo está começando a exceder essa capacidade de acúmulo de tecido adiposo subcutâneo, que fica embaixo da pele; ele começa a ir para essa região central.

E antes mesmo de ter o acúmulo sobre o fígado, que a gente chama da região visceral, ele acumula gordura dentro das células.

Então a Esteatose Hepática (que a gente consegue detectar facilmente com uma ultrassonografia) também é um ótimo indicativo de que metabolicamente você não está bem.

Então, por exemplo, se uma pessoa vai no médico, vê que está mesmo que seja com um princípio de Esteatose Hepática, e olha para os exames de sangue e parece que está tudo certo porque está tudo dentro da referência ainda, olhe de novo.

Porque você provavelmente vai estar dentro da referência, mas vai estar perto do limite. Então parece que está tudo certo, mas você vai ver que não está.

Guilherme: Isso sem contar que as referências são baseadas em uma grande população. Eles são pegos dentro do “normal”, dentro de um grande grupo de pessoas e alguma hora, em algum valor, o laboratório tem que cortar e falar: “Daqui para baixo está bem, e daqui para cima não está bem”.

Mas isso não quer dizer que se você está com uma Glicemia de 99 é muito diferente de uma Glicemia de 100, se você ignorar os outros marcadores.

João Gabriel: Certamente.

E ainda tem uma questão que esses marcadores vão sendo ajustados com o tempo – e vários deles foram ajustados alguns anos atrás, não muito mais do que isso.

E isso significa que eles foram sendo ajustados para uma população que foi ficando mais doente, digamos assim.

Então alguns desses marcadores ficaram maiores, o limite superior.

Só que isso é um problema porque as pessoas foram ficando mais doentes, então a média dos níveis de Triglicerídeos, por exemplo, aumentaram, mas também aumentou o valor de referência.

Digamos que antigamente fosse 120, e agora você está com 120 só que lá no seu laboratório fala que você pode ir até 150, que está tudo certo. Só que se antigamente era 120, talvez para um ser humano normal, 120 já seja um limite que ele não deveria estar chegando. Então se você já está no 120 e acha que está tudo normal, esperando o 150, talvez você já esteja muito pior do que parece que você está.

Guilherme: Ótima colocação. Porque os exames são a média das pessoas no laboratório e ela vai mudando com o tempo e, claramente, a nossa população de hoje em dia é mais doente, tem mais Diabetes, mais sobrepeso, obesidade, do que 50 anos atrás, por exemplo.

João Gabriel: Com certeza. E não é coincidência.

Guilherme: Não, não é, não.

Roney: Então legal, João.

Acho que conseguimos fechar esse assunto do colesterol, assim, claro que resumidamente, com certeza, tanto o colesterol quanto o refluxo daria para ir ainda muito mais longe do que nós conseguimos falar hoje.

João Gabriel: Posso só falar mais uma coisinha?

Guilherme: Mas é claro!

João Gabriel: Muita gente que ouvir, vai se perguntar ou já se perguntou sobre a questão do óleo de coco porque é inclusive algo que eu recebo toda hora também, essa questão do óleo de coco e colesterol.

Mesmo quando o óleo de coco aumenta o colesterol – o colesterol total, no caso – os estudos mostram claramente que esse aumento é basicamente todo do colesterol HDL.

Então mesmo que houvesse um problema de aumento de colesterol, a gente estaria aumentando o colesterol bom, digamos assim. Então, isso é bem tranquilo.

Qualquer pessoa que critique o óleo de coco por causa de uma questão de aumento de colesterol vai estar criticando erroneamente por dois motivos: primeiro, que o aumento do colesterol por si só, causado apenas pela alimentação, não é um problema, já que ele não está indicando um problema metabólico, é só uma resposta natural do organismo.

E segundo porque é um aumento no colesterol HDL que, se nós formos falar de mecanismos, não tem como, a princípio, dizer que isso é um problema.

Sim, sim, umas pessoas vão dizer: “Ah, já tiveram estudos mostrando que pessoas com o colesterol HDL muito aumentado também tem um risco aumentado de doenças cardiovasculares”.

Isso é verdade. Existe essa associação. Mas são níveis bem elevados, muito acima do que o óleo de coco a princípio vá elevar numa pessoa normal ou até numa pessoa com o estado metabólico já um pouco piorzinho, assim. Então criticar o óleo de coco em relação ao colesterol não faz muito sentido.

Deixa eu só fazer uma pergunta para vocês. Na hora de fazer a pergunta, eu acabei me alongando nesses pontos, mas eu acabei esquecendo de tocar na questão de número de partículas e tamanho de partículas. Vocês querem que fale sobre isso?

Guilherme: Aham. Por favor.

Porque acho que isso vai esclarecer que o LDL não é uma coisa necessariamente ruim, enquanto “só o HDL é bom e protege”. Acho que tira um pouco até desse maniqueísmo de “isso é bom, isso é ruim”.

Como o LDL seria uma coisa necessariamente ruim para o corpo se precisamos disso para funcionar completamente?

João Gabriel: Então, falando sobre a questão do número de partículas e tamanho de partículas de HDL e LDL, novamente nós voltamos para aquela questão do que eles representam.

Assim como o colesterol total, ou o colesterol HDL, as partículas de LDL e as partículas de HDL podem ter um papel como agentes causais – tanto benéficos como não benéficos – no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, se nós falarmos de mecanismos.

Mas elas são, antes disso, muito mais marcadores, do que qualquer outra coisa.

Então nos últimos anos, tem-se falado muito sobre, principalmente em relação ao LDL – tamanho de partículas LDL e número de partículas de LDL.

Muita gente fala que nós deveríamos esquecer o colesterol LDL e olhar basicamente para os números de partículas e para os tamanhos dessas partículas.

Por quê? Porque alguns estudos têm mostrado que, quando a gente pensa no mecanismo pelo qual as doenças cardiovasculares acontecem, as partículas menores e o maior número de partículas de LDL seriam responsáveis pelo desencadeamento dos principais processos que levam ao desenvolvimento da arteriosclerose e, consequentemente, de doenças cardiovasculares como o infarto e o derrame.

Mas, mesmo assim, essa é uma visão que extrapola o que algumas evidências apontam.

Daqui a pouco eu dou alguns exemplos – mas, só para continuar essa história: como eu falei, nós temos que pensar primeiro neles como marcadores.

Então mesmo quando nós estamos falando de tamanho de partículas e número de partículas, vamos pensar primeiro em marcadores porque uma coisa que é bem clara, que já foi demonstrado bem, bem claramente mesmo, é que pessoas com Resistência à Insulina, Síndrome Metabólica e Diabetes sempre apresentam um maior número de partículas de LDL e partículas com tamanho menor.

Ou seja, novamente é seguida aquela mesma tendência: eu poderia explicar por que isso acontece, mas é um pouco complexo.

De toda forma, esse aumento no número de partículas e consequentemente uma diminuição no tamanho dessas partículas também é consequência desse desbalanço energético e metabólico que o corpo passa.

Então, todas essas modificações, essas alterações nos marcadores que eu tenho falado até agora são consequências desse estado metabólico prejudicado.

Por que isso que, antes de qualquer coisa, todos esses exames são marcadores, são indicativos do que está acontecendo.

Existe valor em pedir exames como o tamanho de partículas ou número de partículas de LDL?

No caso, o número de partículas é mais fácil de pedir porque a gente pode, aqui no Brasil, pedir um exame chamado Apo-B, que quase que diretamente isso. Vale a pena. Tem o seu valor. Mas eles não são essenciais.

Por quê? Porque com os exames mais comuns nós já conseguimos ter uma ideia. É difícil não saber o que está acontecendo. Usando só os exames mais comuns nós conseguimos ver e saber o que está acontecendo, se tem um problema ou não. São poucos os casos que nós realmente vamos precisar de exames mais avançados.

Muita gente foca neles, e diz que esses exames são realmente essenciais porque pensam nas partículas pequenas, densas e numerosas de LDL como agentes causais dos problemas cardiovasculares, mas eles não são exatamente isso.

Eles são muito mais consequências do problema que está por trás, que é a disfunção metabólica, do que qualquer outra coisa.

E a mesma coisa vale para o HDL. O HDL eu falei pouco sobre ele agora porque as partículas de HDL, nesse sentido de tamanho e de número, são até agora bem menos estudadas.

E assim, na prática mesmo, vai acabar acontecendo a mesma coisa que eu estou dizendo aqui para as partículas LDL – que é o seguinte.

Vai ter uma certa utilidade entender como é que partículas maiores ou menores, em maior ou menor número funcionam… mas geralmente os exames convencionais vão ser suficientes para a gente saber como é que a pessoa está.

E só para expandir um pouco o que eu falei sobre as partículas menores de LDL e elas estarem em maior quantidade no corpo.

Por que não necessariamente elas atuam como causas dos problemas cardiovasculares?

A maioria dos estudos mostram que partículas menores e em maior quantidade estão associadas a um maior risco e esse risco geralmente é bem maior, o risco cardiovascular.

Isso realmente acontece. As associações são bem consistentes nesse sentido. mas existem alguns estudos mostrando justamente o contrário.

Então quando nós temos um estudo que mostra exatamente o contrário do que a maioria mostra (no caso dos estudos observacionais ou de associação) isso geralmente é o suficiente para falar: “Essa hipótese tem um certo mérito, mas ela provavelmente está incompleta ou errada”.

Essa é melhor forma de olhar para os estudos observacionais, a não ser que todos eles sejam muito, muito consistentes, no sentido de indicar uma possível causa.

Mas se tiver um ou outro estudo já mostrando o resultado totalmente contrário, a gente tem todas as razões para acreditar que essa hipótese está, no mínimo, incompleta.

Um ótimo exemplo disso é a questão do fumo.

Hoje, nós sabemos que o fumo causa câncer de pulmão, mas ninguém, ou quase ninguém nunca pensou de onde essa informação surgiu.

Porque se a gente parar para pensar, é inviável fazer estudos clínicos com o fumo.

Você não vai dar um maço de cigarro para a pessoa fumar por semana. Isso, eticamente, não é aceitável.

Então nós não temos como afirmar por ensaios clínicos, por estudos controlados, que o fumo causa o câncer de pulmão.

Esse fato é obtido a partir de estudos observacionais. Como é que se fez isso? Ao longo de várias décadas foi observado que a associação entre fumo e câncer de pulmão era tão consistente e as pessoas que fumavam estavam associadas com o risco tão mais aumentado, que a única conclusão é: isso é uma relação de causa e efeito.

Mesmo nunca tendo sido feito nenhum ensaio clínico nessa área porque a relação, associação é tão forte, tão consistente que a relação é de causa e efeito.

Só que, digamos que no meio dessa história, tivesse um ou outro estudo contradizendo.

Provavelmente não seria essa relação que nós observaríamos.

Na maioria das outras área, quando nós estamos falando de estudos observacionais, nós não temos associações tão fortes e tão consistentes como nós temos, por exemplo, no caso do câncer de pulmão e fumo.

Por isso que estudos observacionais têm que ser tratados com muito cuidado.

Porque, quando nós falamos de partículas de LDL, número de partículas e tamanho de partículas nós temos bons estudos mostrando uma boa associação entre esses dois fatores, mas nós temos estudos mostrando justamente o contrário.

E isso é suficiente para levar a crer que relação de causalidade dificilmente tão certa assim.

A associação existe justamente por eles serem marcadores – muito provavelmente mais por isso do que por qualquer outra coisa.

O estado metabólico prejudicado da pessoa faz com que vários marcadores que têm relação com o metabolismo energético se tornarem alterados, inclusive tamanho e número de partículas de lipoproteínas, seja LDL, seja VLDL – porque as VLDLs também mudam.

A gente não fala muito sobre isso, mas também mudam. As HDLs mudam. Então tudo isso pode se alterar por causa do estado metabólico e não necessariamente vão ser uma causa dos problemas cardiovasculares.

Guilherme: Provavelmente são apenas mais um marcador de algum problema que está mais no fundo. Elas não são a causa do problema.

João Gabriel: Exatamente.

E para simplificar toda essa história eu gosto de falar para a pessoa: “Apenas observe basicamente o seu peso”.

O peso geralmente vai ser, em 99% dos casos, suficiente para você manter um bom estado metabólico. Se o seu peso estiver equilibrado, sob controle, dificilmente os outros marcadores vão se alterar.

(No caso, estamos falando do peso ao longo do tempo – meses e anos – e não dia a dia. Porque nosso peso flutua dia a dia e isso pode ser devido a diversos motivos.)

Porque é aquilo que eu falei antes: o peso só aumenta porque você está acumulando energia no corpo.

E é justamente esse excesso de energia, que o corpo vê como um desequilíbrio, que vai fazer com que todos esses marcadores sejam alterados.

E que, não só isso – eu não cheguei a tocar nesse assunto – mas esse desbalanço energético começa a causar alguns problemas no interior das células.

Por isso que nós vemos os mais diversos problemas associados com a obesidade, que aparentemente não tem nada a ver: desde vários tipos de câncer até apneia, até o próprio refluxo que eu não cheguei a tocar nesse ponto.

Mas existem evidências para a gente acreditar que pelo menos parte do refluxo em boa parte das pessoas seja por causa do peso.

Não inteiramente, porque como eu falei antes, já temos boas evidências mostrando que o efeito isolado de uma dieta low-carb já ajuda, mas existem também evidências que nós poderíamos utilizar para dizer que o peso, por si só, poderia estar atrapalhando o mecanismo de regulação dos esfíncteres.

Ou seja, isso estaria acontecendo num nível intracelular e provavelmente causado por um desbalanço energético lá dentro da célula porque primeiro vai acontecer dentro da célula e depois se manifestar como uma disfunção mais sistêmica.

Guilherme: E só para o pessoal que está ouvindo a gente e gosta de treinar não ficar assustado, a gente pode complementar que o peso, mais o espelho, ?

Se o pessoal está querendo ganhar massa magra, é só observar o peso, mais o espelho.

(O que significa que ganhar massa magra vai levar a um aumento de peso, mas é um aumento saudável.)

João Gabriel: E a massa magra ajuda mesmo, diretamente.

Porque se você tem uma maior massa magra, é mais difícil o seu corpo pegar as calorias e a energia que está entrando e simplesmente ir acumulando.

É como se fosse um escape, então você pega o excesso de energia e ela consegue metabolizar bem melhor do que outros tecidos.

Guilherme: Ah, com certeza, a massa muscular é bem importante.

E, João, só para voltar um pouquinho nesse tópico, será que teria como você expandir um pouco na questão dos estudos que relacionam gordura saturada e colesterol com doença cardiovascular?

Acho que vai ajudar bastante o pessoal a entender que não existe essa relação causal.

João Gabriel: Então, a gente… dá para dizer que na Ciência nós estamos numa época, num período que é a era das revisões sistemáticas e meta-análises.

Para quem não sabe, as revisões sistemáticas são estudos em que, você como pesquisador, define um assunto e define palavras-chave específicas, faz uma busca por toda a literatura (ou até onde a gente consegue chegar) e recupera todos os estudos que foram feitos sobre esse assunto que você definiu.

Então, por exemplo, se nós queremos estudar a relação entre gordura saturada e doenças cardiovasculares, nós podemos pegar, por exemplo, todos os estudos observacionais, todos os estudos de coorte – que são aqueles estudos que nós só acompanhamos os pacientes num determinado ponto presente, até um ponto futuro que nós determinamos, de alguns anos – e aí nós fazemos uma busca por todos esses estudos.

Eles começaram mais ou menos na década de 50, 60 e nós iríamos desse período até hoje pegando todos esses estudos, depois faríamos uma análise conjunta para ver o que esses estudos todos falam em conjunto. Porque às vezes nós temos um estudo que fala uma coisa e outro fala outra e é sempre bom nós juntarmos todos eles para nós entendermos como a totalidade das evidências estão apontando. E nós estamos justamente nessa era.

Nessa década, nos últimos anos, nós temos muitas revisões sistemáticas saindo e isso é bom.

Porque, com tanto estudo, com o crescimento que houve tão grande da Ciência; nós temos muitos estudos saindo o tempo todo e se nós não temos ninguém para juntar esses estudos e falar sobre eles conjuntamente, nós podemos nos perder porque se eu tenho um determinado viés, uma determinada linha de pensamento, eu posso usar o Estudo A ou o Estudo B para defender o que eu penso; enquanto outra pessoa, outros grupos podem usar os estudos C e D para defender o que eles pensam e a gente entra nesse conflito e ninguém sabe quem está certo e quem está errado.

Isso, inclusive, é um dos motivos que a Nutrição tem tanta informação conflitante.

Guilherme: Porque as pessoas escolhem os estudos que mais convém a hipótese delas, ?

(O chamado cherry-picking ou supressão de evidências de estudos.)

João Gabriel: Exatamente e as revisões sistemáticas são boas por causa disso.

E as meta-análises nada mais são que revisões sistemáticas em que você consegue juntar não só qualitativamente, não só os resultados qualitativos, mas também fazer uma análise quantitativa.

Então em alguns casos elas são aplicáveis e a gente consegue saber, por exemplo, a magnitude de um efeito; o risco específico, em números.

E aí o que as revisões sistemáticas que relacionam consumo de gordura saturada, na verdade consumo de gorduras em geral também, e doenças cardiovasculares falam?

Eu vou considerar as duas principais doenças cardiovasculares que a gente tem, que a gente estuda: que é o infarto e o derrame.

No caso do derrame, quando a gente junta todos os estudos observacionais que medem apenas a associação, a gente vê que o maior consumo de gordura saturada está associado a um menor risco de derrame.

E eu escrevi um texto sobre isso há alguns anos falando justamente sobre o que esse tipo de resultado significa porque quando nós temos uma associação neutra entre duas variáveis, por exemplo, nós não encontrarmos uma relação entre consumir a gordura saturada e o risco de derrame, nós não sabemos se pode existir uma relação causal ou não porque a associação é neutra.

Enquanto se a gente acha uma associação positiva, ou seja, um maior consumo de gordura saturada e um maior risco de derrame, aí nós aumentamos a chance dessa relação ser uma relação de causalidade.

Por outro lado, quando a gente vê nos estudos observacionais uma relação inversa, ou seja, um maior consumo de gordura saturada associado a um menor risco de derrame, nós temos, em 99,9% de certeza de que não existe uma relação de causalidade entre um maior consumo e o maior risco.

Porque, para que essa relação de causalidade existisse, a gente teria que, no mínimo, observar uma relação neutra ou positiva nos estudos observacionais.

Então a partir do momento que essa associação é inversa, a certeza quase, quase, quase certa mesmo de que a relação de causalidade não existe.

No caso do infarto, os resultados são um pouco diferentes do derrame. Mas, quando a gente junta todos os estudos observacionais, nós chegamos ao resultado de que não se observa uma associação entre as duas variáveis.

Então, por exemplo, individualmente alguns estudos vão mostrar que um maior consumo de gordura saturada, menor risco de dar infarto.

Outros, mostram maior consumo de gordura saturada, e maior risco de infarto.

Outros não vão encontrar associação. E aí quando nós juntamos todos esses, nós ficamos nesse meio temos.

A gente não consegue encontrar uma associação consistente – e isso também já é um forte indicativo quando a gente junta a questão do infarto com o derrame, se junta os dois tipos principais de doenças cardiovasculares e a gente não vê uma associação com o consumo de gordura saturada; é muito pouco provável que exista uma relação de causalidade. E aí nós temos os ensaios clínicos para reforçar ainda mais essa ideia.

Algumas pessoas, tanto os profissionais de saúde como algumas pessoas leigas que vão atrás um pouco mais de informação, já podem ter se deparado com revisões sistemáticas e meta-análises de ensaios clínicos (e não só de estudos observacionais, mas de ensaios clínicos) que testam diretamente como o maior ou o menor consumo de gordura saturada influencia o risco cardiovascular dos pacientes ao longo dos anos seguindo uma dieta com mais gordura saturada ou menos gordura saturada.

E nós temos, hoje, talvez umas dez, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, revisões sistemáticas falando sobre isso.

Eles juntam todos os ensaios clínicos que já testaram um maior consumo de gordura saturada contra o menor consumo de gordura saturada para ver qual seria o efeito direto sobre o risco cardiovascular.

E eu começo falando das revisões sistemáticas, nesse caso, para os ensaios clínicos e não dos ensaios clínicos individualmente porque todas elas são problemáticas.

Por mais que as revisões sistemáticas sejam excelentes estudos para nós entendermos a totalidade das evidências, se elas não forem bem feitas, se nós tivermos alguma falha no meio do caminho, nós temos resultados muito problemáticos no final.

Porque como é algo sistemático, então você está tentando buscar tudo o que você tem sobre o assunto, se você usar, por exemplo, palavras-chaves erradas na hora da busca, ou se você incluir estudos que por um ou outra questão metodológica, por exemplo, não deveriam estar incluídos; a gente pode ter resultados bem problemáticos.

Então o grande problema das revisões sistemáticas de ensaios clínicos comparando o consumo de gordura saturada ao risco cardiovascular é que todas essas revisões incluem ensaios clínicos que não deveriam ser incluídos.

Guilherme: Elas têm critérios ruins para a seleção dos estudos – é isso o que você quer dizer?

João Gabriel: Basicamente isso.

Porque grande parte dos estudos que são incluídos nessas revisões realmente reduzem a gordura saturada de um dos grupos para comparar um menor consumo contra um maior consumo, mas eles também fazem outras alterações na alimentação.

Então você está comparando um grupo que consome mais gordura saturada contra um que consome menos gordura saturada, mas esse que está consumindo menos gordura saturada também está com outras alterações, por exemplo, consumindo mais Ômega 3, ou consumindo menos gordura trans, ou consumindo mais frutas e verduras.

Então a maioria dos estudos de intervenção que são incluídos nessas revisões sistemáticas incluem outros tipos de modificações na alimentação dos pacientes que nos deixam de mãos amarradas no sentido de que nós não sabemos se, caso tenha um efeito positivo essa dieta na intervenção.

Nós não sabemos se foi o efeito da redução de gordura saturada ou de qualquer uma das outras modificações na alimentação que acontecem. Esse é o grande problema.

Todas as revisões sistemáticas de ensaios clínicos de gorduras saturadas e risco cardiovascular são problemáticas. Algumas são mais do que outras.

Por isso que é comum encontrar revisões sistemáticas falando sobre gordura saturada e risco cardiovascular mostrando benefícios na redução do consumo de gordura saturada.

Porque vários desses ensaios clínicos incluem um monte de modificações alimentares que, em conjunto, independentemente do que acontece com o consumo de gordura saturada, que em conjunto podem reduzir o risco cardiovascular. Então a gente tem um grande viés nesse sentido.

Por isso que o ideal, quando nós falamos de ensaios clínicos de gordura saturada e risco cardiovascular, é analisá-los isoladamente. Eu não vou falar aqui sobre cada um deles isoladamente – não são tantos assim, mas são muito detalhes, então não vale a pena.

Mas quando a gente olha isoladamente para esses estudos – que são seis ou sete só – a gente vê que a partir dos resultados a gente não tem como dizer de forma alguma que o maior consumo de gordura saturada aumenta o risco cardiovascular – e nem o contrário, que o menor consumo diminui o risco.

Inclusive, tem um ou dois estudos em que eles falam para diminuir gordura saturada em um dos grupos, pensando que isso ia reduzir o colesterol sanguíneo e consequentemente o risco cardiovascular, só que eles, além disso, dão outras orientações nutricionais que seriam ainda mais benéficas.

Então eles falam para, por exemplo, reduzir o consumo de gordura saturada e também reduzir o consumo de produtos processados, ricos em açúcares e tudo mais.

E tem um ou dois desses estudos que mostram que esse grupo que reduz gordura saturada e também reduz produtos processados, eles apresentam uma tendência de aumento no risco.

Então esse tipo de resultado em ensaios clínicos que deveriam ser super positivos, na teoria; na realidade confirmam basicamente o que a gente vê nos estudos observacionais: que a chance de existir uma relação de causalidade é praticamente zero.

E isso, que nem eu falei, são mais ou menos seis ou sete estudos e se nós fomos pegar cada um deles individualmente, nós vamos ver mais ou menos dois falando que poderia existir uma relação de causa e efeito.

Dois com efeitos neutros e dois mostrando exatamente o contrário do que a maioria das pessoas espera, que o maior consumo de gordura saturada aumentaria o risco cardiovascular.

Então quando a gente junta as revisões sistemáticas e meta-análises de estudos observacionais e os ensaios clínicos – eu nunca gosto de falar “com 100% de certeza” – mas é praticamente certo que a relação de causalidade não existe.

E mesmo nos ensaios clínicos que mostram a redução do risco com o maior consumo de gordura saturada, ainda assim os pacientes tendem a apresentar um maior colesterol sanguíneo, que nem eu falei anteriormente, em boa parte dos casos, em boa parte das pessoas, um maior consumo de gordura saturada por si só, geralmente leva a um aumento no colesterol sanguíneo.

Geralmente não é muito grande, geralmente é um pouco no colesterol HDL, um pouco no colesterol LDL, mas geralmente acontece.

E mesmo assim, em alguns estudos esse aumento acontece, no colesterol sanguíneo e em alguns casos até uma redução do risco cardiovascular é observado nos ensaios clínicos.

E é até curioso quando nós lemos esses estudos. Como eles são antigos, os pesquisadores ficam até confusos, chega até a ser um pouco engraçado de ler e eles realmente não entendem, eles realmente tentam meio que se explicar e tem algumas conclusões bem curiosas nos estudos.

Guilherme: Eles falam algo como “apesar de o colesterol ter aumentado…”

João Gabriel: Isso! É por aí!

Guilherme: E falando na diminuição do colesterol como mecanismo causal da doença cardiovascular existem alguns medicamentos que reduzem o colesterol.

O que acontece nesse caso com o risco de doença cardiovascular?

João Gabriel: Esse ponto é bem legal também porque o estabelecimento do colesterol sanguíneo como certeza de que é um fator causal das doenças cardiovasculares veio justamente com os medicamentos.

Eu mencionei o estudo lá de 1984, que foi o primeiro, e assim, o ponto final dessa história foi com as estatinas porque as estatinas, alguns anos depois, foram os primeiros medicamentos que consistentemente, numa série de estudos com estatinas diferentes, mostravam que os pacientes que tomavam as estatinas tinham o colesterol sanguíneo reduzido, principalmente o colesterol LDL. Em alguns casos também um aumento no colesterol HDL.

Mas o mais importante é que eles tinham um risco cardiovascular reduzido – e aí a gente observa isso de maneira bem consistente com as estatinas. Nós poderíamos entrar no detalhe de efeitos colaterais porque nós temos alguns estudos mostrando um certo grau de seriedade em alguns tipos de efeitos colaterais, que mesmo havendo um benefício cardiovascular nós podemos ponderar e pensar se vale a pena o risco.

Mas quando nós olhamos para os outros medicamentos que reduzem o colesterol, que são vários, nós temos fibratos, o próprio sequestrador de Ácidos Biliares que foi o do estudo de 1984; tem a niacina, os inibidores da CETP que na verdade têm o principal efeito de aumentar o colesterol HDL, só que eles também diminuem o colesterol LDL.

Todos esses que eu falei já foram testados em muitos estudos e na maioria deles, para todos esses medicamentos que também reduzem o colesterol LDL, nenhum deles consistentemente mostra redução no risco cardiovascular.

Inclusive, os inibidores da CETP que são os mais recentes – porque depois que eles falaram que: “O colesterol LDL é uma causa de doenças cardiovasculares, vamos estudar agora os medicamentos que aumentam o colesterol HDL para ver se a gente consegue reduzir ainda mais o risco cardiovascular das pessoas” – aí os inibidores da CETP vieram dessa ideia, então são os mais recentes.

O primeiro estudo que foi feito mostrou aumento no HDL, diminuição do colesterol LDL e os pacientes que foram tratados tinham um maior risco cardiovascular depois de alguns anos.

Então quando nós vemos resultados nulos para todos esses medicamentos que reduzem o LDL e resultados até negativos para um medicamento que, além de reduzir o LDL, aumenta o HDL; a gente tem evidências claras de que o colesterol sanguíneo, por mais que ele possa ter um papel no desenvolvimento da doença, a influência dele como agente causal é, no máximo, muito menor do que normalmente se diz que é. Isso se tiver realmente uma relevância.

Guilherme: Se tiver, ela é menor do que popularmente se atribui.

João Gabriel: Exatamente.

É difícil mudar essa ideia porque foram muitos e muitos anos achando que isso era verdade.

Isso não tira o mérito das estatinas em reduzir o risco cardiovascular porque isso acontece, mas nós estamos vendo que as estatinas funcionam.

Mas isso não quer dizer que é por causa da redução do colesterol sanguíneo. Ela causa mas, com quase certeza, ela tem outro ou outros mecanismos que explicam essa redução no risco.

Justamente porque os outros medicamentos que reduzem o colesterol LDL não mostram resultados consistentes em diminuir o risco cardiovascular.

Guilherme: Se o mecanismo fosse esse outros medicamentos que fazem isso (reduzir o LDL) teriam efeito.

João Gabriel: Exatamente.

Todo mundo medicamente, basicamente, que reduz o colesterol também ia ter o mesmo efeito.

Tá, mas o que é que causa as doenças cardiovasculares?”

Com certeza alguém vai estar se perguntando isso.

O que nós temos de mais consistente, apesar de não ser tão estudado assim, não receber tanto foco, está relacionado mais à questão da saúde dos vasos sanguíneos, como eles são capazes ou não de se dilatar e como eles são capazes ou não de responder aos danos que são causados aos vasos sanguíneos e principalmente ao processo de coagulação.

Porque a gente tem a tendência a achar que o problema nas doenças cardiovasculares é quando a placa de arteriosclerose se forma e o volume interno dos vasos diminui porque ela vai crescendo.

E aí o volume diminuído prejudicaria a chegada de sangue, por exemplo, no coração e isso causaria um infarto.

Guilherme: Basicamente como se fosse um cano no qual vai acumulando sujeira e vai ficando difícil ter o fluxo.

João Gabriel: É, exatamente.

Guilherme: Esse é o pensamento comum sobre a arteriosclerose.

João Gabriel: Isso acontece – mas o grande problema não é esse. O grande problema é quando a placa se solta do vaso, na forma de um coágulo, e isso lá na frente obstrui algum vaso por completo.

Então o grande problema é a coagulação. Se o vaso está conseguindo coagular bem ou não e se ele está conseguindo se recuperar ou não de danos que estão sendo causados ali e, além disso, a questão da dilatação, se ele consegue ou não dilatar bem.

Então é mais ou menos por aí. Acho que não cabe muito aqui entrar em detalhes.

A grande questão, agora voltando ao ponto que eu falei, já tinha mencionado antes, sobre Síndrome Metabólica, é que na Síndrome Metabólica, quando a pessoa começa a ganhar peso, desenvolve Resistência à Insulina, Síndrome Metabólica, Diabetes; a saúde do vaso sanguíneo fica bem comprometida.

Ela tem, por exemplo, tem uma diminuição na produção de Óxido Nítrico, que é o principal vasodilatador, em tem prejuízos também no processo de coagulação… então é uma série de fatores que acontecem junto com a Síndrome Metabólica, nas células dos vasos sanguíneos, que fazem com que esses vasos apresentem uma maior tendência a ter problemas relacionados à dilatação dos vasos e coagulação sanguínea.

Então essa seria o grande link e aí junto disso vem justamente a questão do colesterol.

Por quê? Porque na Síndrome Metabólica, na Resistência à Insulina, no Diabetes, o colesterol vai estar aumentando e os Triglicerídeos também, e a Glicemia, tudo como consequência da desregulação metabólica que está ali por trás. Tudo associado.

Guilherme: Entendi.

Então para tentar resumir tudo o que a gente falou: se eu tenho uma pessoa que está sofrendo com Síndrome Metabólica, está com alteração nos exames dela, na Glicemia, na Resistência à Insulina e aí tem uma dieta, uma intervenção alimentar que pode ajudar a reverter tudo isso e está bem documentado; mas que talvez eleve um pouco o colesterol sanguíneo dessa pessoa.

Uma ação inteligente poderia ser seguir essa dieta?

João Gabriel: Não teria problema.

Se todos os marcadores continuarem elevados é porque a dieta, de uma forma ou de outra, não está exercendo um efeito metabólico.

O problema metabólico está por trás de tudo não está sendo corrigido.

Mas se essa pessoa começa com essa a dieta, independentemente de qual seja, e ela vê principalmente redução nos Triglicerídeos e redução na Glicemia e perda de peso, principalmente gordura na região central, na região abdominal, independentemente do que estiver acontecendo com o colesterol dela, ela já vai estar corrigindo as alterações metabólicas que estão por trás.

Se ela permanecer com o colesterol aumentado não vai ser um problema.

Guilherme: Que é uma coisa que costuma acontecer na dieta low-carb, no caso, ? Todas essas mudanças.

João Gabriel: Exatamente.

Principalmente – e aí entra a questão da gordura saturada – porque existe uma tendência de maior consumo de gordura saturada numa dieta low-carb comparando com as dietas convencionais.

Então esse aumento, digamos, essa sustentação do colesterol sanguíneo, ou até um aumento provavelmente vai ser simplesmente uma resposta natural ao consumo da gordura saturada, e não porque existe um problema metabólico.

Porque justamente quando a gente vê – e isso acontece em 99% dos casos, provavelmente com a dieta low-carb – a pessoa começa, melhora tudo, peso e todos os marcadores e às vezes mantém o colesterol ou até aumenta.

E aí as pessoas ficam preocupadas, mas à princípio não tem nenhum motivo para se preocupar com isso.

Guilherme: É, exatamente.

Acho que com o que nós falamos aqui hoje a pessoa já entendeu que não é esse o caso, ?

Se todos os marcadores estão indo para uma direção boa, mas o colesterol se manter ou aumentar um pouco, isso não é motivo para ela perder o sono à noite.

João Gabriel: Exatamente.

Qualquer pessoa que estiver ouvindo e tiver interesse para entender um pouco mais, ou quiser saber de onde eu tiro essas informações, é só entrar em contato comigo.

Porque eu posso passar links ou os próprios arquivos dos estudos que eu sempre uso como base para escrever e para falar sobre isso.

Na Ciência nós temos informações muito fragmentadas, digamos assim, então é difícil você juntar as peças para você chegar num entendimento mais completo.

Então tudo o que eu falo, parece que você vai encontrar tudo bonitinho, mas não é bem assim. É muito tempo que você tem que se dedicar, procurar e estudar para conseguir fazer essas ligações.

Guilherme: João, acho que a gente encerrou muito bem essa nossa primeira parte. Foi uma verdadeira aula que você deu aqui para o pessoal sobre refluxo e colesterol.

Nós vamos indicar esse episódio para todo mundo que segue a gente, especialmente para quem tem curiosidade, dúvida ou realmente sofre com algum desses problemas e quer saber mais, quer entender o que pode estar por trás.

E para finalizar só, então, deixa os seus contatos, as suas mídias sociais, o seu site para o pessoal poder acompanhar mais – porque quem ouviu até aqui com certeza quer saber mais sobre o que você tem a dizer e acompanhar o seu trabalho.

João Gabriel: Eu não tenho nenhuma mídia social nesse momento, então não me procurem no Facebook, nem no Instagram; mas podem entrar no meu blog que é o cienciadanutricao.blogspot.com ou só digita Ciência da Nutrição no Google que provavelmente vai ser o primeiro resultado.

E podem mandar e-mail, lá tem a página de contatos, podem mandar e-mail, podem deixar comentário.

O que eu mais recebo é comentário aleatório, digamos assim, nos textos.

Por exemplo, o último texto que eu escrevi fala sobre Vitamina K e o que mais tem é comentário sobre outras coisas, de perguntas diversas.

Mas não tem problema, não. Eu gosto de responder.

O mais importante é que a gente não fique com a dúvida. Então se você acha que eu posso ajudar de alguma forma, é só deixar a dúvida lá que eu vou tentar responder da melhor forma possível.

Às vezes acontece de eu não saber a resposta, ou porque é algo que eu não estudo – porque não tem como a gente estudar tudo – ou é algo que a Ciência ainda não estudou direito, então a gente não necessariamente tem uma resposta para tudo; mas a gente tenta fazer o que for possível.

Guilherme: Excelente.

Nós vamos deixar o link aqui no post, e queríamos agradecer novamente pelo seu tempo.

E nós vamos fazer uma segunda rodada porque nós tínhamos preparado mais assuntos.

Roney: É bom falar para o pessoal que o episódio nem acaba por aqui, mas como está ficando longo nós deixamos outros dois assuntos que nós tínhamos combinado de falar com o João, então é para ninguém perder o próximo episódio do nosso podcast também; que nós vamos falar sobre sal e Índice Glicêmico.

E provavelmente serão mais dois assuntos que o João vai dar uma aula aí para a gente.

Guilherme: João, muito obrigado novamente pelo seu tempo, pelas explicações, pela paciência, pela persistência aí nessa luta contra a conexão que falhou um pouquinho hoje.

João Gabriel: Pois é.

Guilherme: Muito obrigado novamente.

João Gabriel: Eu que agradeço o convite.

Eu sempre gosto de trocar ideias com pessoas que se interessam pela alimentação e, mais importante do que isso, eu gosto de ajudar quem precisa nessa nossa área que é tão cheia de informação conflitante.

Inclusive uma das coisas que eu mais ouço é basicamente assim: “O que eu faço? Porque alguém dia A e outra pessoa diz B, e outra pessoa diz C”. Então o que mais tem são coisas conflitantes.

Quanto mais a gente tirar esses conflitos, mais fácil fica porque no fim das contas tem que ser algo fácil.

Não faz sentido algo tão primordial, tão essencial, básico de qualquer ser vivo, não só do ser humano – a alimentação – ser algo tão complicado.

Se brincar, essa é uma das nossas maiores complicações no mundo atual.

Guilherme: É verdade.

João Gabriel: E não precisaria ser.

Roney: Então está ótimo, João, a gente se fala muito em breve para continuar esse podcast.

Quem nos ouviu até aqui, muito obrigado pela audiência!

Se gostou do podcast, por favor, deixe sua avaliação cinco estrelas lá no iTunes, seu comentário, se possível, porque isso é muito importante para a gente continuar crescendo e fazendo o conhecimento chegar a cada vez mais gente.

A gente se vê num próximo episódio.

Um forte abraço

Roney e Guilherme: Do Senhor Tanquinho.

Guilherme: Você acabou de ouvir mais um episódio do podcast do Senhor Tanquinho.

Roney: Não deixe de se inscrever para não perder nenhum episódio com os maiores especialistas para a sua saúde.

Referências

Alguns dos estudos que embasam as argumentações do episódio de hoje estão listados abaixo.

Refluxo e low-carb

Efeito das gorduras saturadas sobre o colesterol sanguíneo

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12716665

Associação entre gorduras saturadas e risco cardiovascular.

Ensaios clínicos: mais gordura saturada vs. menos gordura saturada na dieta

Associação entre colesterol dietético (principalmente ovos) e risco cardiovascular

Estudos experimentais sobre o efeito do colesterol e das gorduras da dieta sobre os níveis de colesterol sanguíneo

Revisão sistemática: medicamentos que reduzem LDLc e que não diminuem o risco cardiovascular.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25038074

(O estudo é focado no fato de esses fármacos levarem ao aumento do HDLc, mas todos eles também levam à redução no LDLc.)

3 comentários em “Podcast #028 – Nutri João Gabriel Abre O Jogo Sobre Refluxo, Colesterol E Dieta Low-Carb”

  1. Perfeito, acabei pesquisando mais sobre a SIBO. Poderia ter comentado também da falta de acidez como geradora do refluxo. Muitos acham que é excesso, porém o pH alto causa o excesso de reprodução de bactérias, e por sua vez, fermentação e piora do refluxo. Estou fazendo um tratamento por conta própria, já já posto as informações em vídeo no YouTube com todos os artigos que pesquisei do PubMed. Agradeço pelas informações.

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