O assunto de hoje é bem recorrente, e diz respeito a qual seria o combustível preferido do corpo.
Esta é uma questão que sempre recebemos de nossos leitores.
E que, além disso, já vimos em diversas variações, especialmente em academias.
Ela é baseada na ideia de que “os carboidratos seriam o combustível preferido” do nosso organismo.
Sendo que este post foi especialmente motivado por uma pergunta que recebemos do nosso leitor João Pedro.
Inclusive respondemos a esta pergunta em um vídeo que gravamos para nosso canal do Youtube (em que você pode se inscrever de graça clicando aqui).
Então, se você prefere obter essa resposta via vídeo, é só dar o play abaixo (são só 10 minutinhos para resolver esta questão de uma vez por todas).
Caso prefira ler, continue aqui com a gente. Porque vamos abordar os mesmos pontos do vídeo.
O email do João Pedro diz o seguinte:
“Bom dia, tudo bem?
Me desculpe por tomar o seu tempo, mas estou com uma dúvida importante, que me deixou indeciso, e ficaria feliz se pudesse me ajudar.
Hoje comentei com o instrutor da academia que essa semana comecei a dieta low-carb, paleo ou Atkins, não sei direito.
(Bom, ele deve estar fazendo alguma dieta low-carb!)
E o instrutor falou que não concorda nem um pouco com isso, porque segundo ele o corpo precisa de carboidrato como combustível.
Que, para perder gordura, ele precisa começar pelo carboidrato nos primeiros estágios.
E que sim, vou perder peso, mas a maioria deste será perda de músculos e não de gordura.
Uma vez eu li mesmo que, antes de gastar gordura, [o corpo] precisa utilizar o carboidrato.
Poderia me ajudar, por favor?
Obrigado.”
É muito interessante essa dúvida do João Pedro, e nós vamos quebrá-la em duas partes para respondê-la.
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Conteúdo do post:
Pergunta #1: O Corpo Precisa De Carboidratos Como Combustível?
Podemos começar a responder a esta pergunta observando o seguinte fato.
O de que, dentre os nutrientes existentes (proteínas, carboidratos, gorduras), alguns são considerados essenciais.
Isto quer dizer que o nosso corpo não consegue produzi-los sozinho, e que por isso precisamos ingeri-los por meio da alimentação.
Dentro desse grupo, temos os aminoácidos essenciais (que são pequenas partículas que formam as proteínas), e também alguns ácidos graxos essenciais (que são a matéria-prima da gordura, de maneira resumida).
Porém, não existe nenhum carboidrato ou açúcar que possa ser considerado essencial.
Ou seja, nosso corpo poderia até mesmo viver sem nenhuma fonte alimentar de carboidrato.
Inclusive, existem algumas populações que ainda hoje vivem praticamente dessa forma – como os Inuits, na região do polo norte terrestre, ou mesmo os Masai, na África.
Por outro lado, é preciso deixar claro que não é isso que estamos recomendando.
Muito pelo contrário: algumas fontes de carboidratos são muito saudáveis e se encaixam tranquilamente numa alimentação saudável e alinhada com o emagrecimento.
Principalmente no caso das fontes de carboidratos de baixo amido, como a maioria dos legumes, verduras e até mesmo algumas frutas com poucos carboidratos.
Resumindo: a gente não defende que você viva sem comer nenhum tipo de carboidrato – apenas queremos dizer que isso seria teoricamente possível.
Neste momento, você pode estar se perguntando:
Mas Senhor Tanquinho, como o cérebro vai conseguir energia para funcionar?
E é um fato: o cérebro (e os rins, e algumas células do sistema nervoso central) realmente precisa de glicose para se manter ativo.
No entanto, o cérebro precisa de pouca glicose – cerca de apenas 25% do total da energia que ele utiliza por dia.
E essa glicose não precisa vir da sua alimentação.
Isso porque o nosso organismo tem certos mecanismos internos de produção de glicose.
Sendo assim, nosso corpo consegue produzir a glicose a partir de matérias-primas que não são os carboidratos – como por exemplo as gorduras e as proteínas -, em um processo chamado de gliconeogênese.
(Por sinal, o fígado é capaz de produzir mais de 200g de glicose por dia por meio desse processo – e isso é bem mais do que você precisa para se manter vivo.)
Ou seja: o seu cérebro precisa sim de glicose, mas você não precisa ingerir essa glicose para que ele tenha a energia disponível.
Porque a pequena parcela de glicose que ele efetivamente precisa pode ser feita pelo seu corpo.
O resto da energia que seu corpo e seu cérebro necessitam pode vir de outras fontes – como, por exemplo, dos corpos cetônicos.
A gente falou mais sobre o metabolismo dos corpos cetônicos e sobre a cetose em outro vídeo que está listado abaixo – e também neste texto sobre o assunto.
E algo curioso a respeito dos corpos cetônicos é que muita gente afirma se sentir melhor, pensar com mais clareza e ter mais energia ao longo do dia inteiro quando faz uma dieta cetogênica (isto é, uma dieta que induz o metabolismo a funcionar baseado em corpos cetônicos).
E alguns pesquisadores também corroboram essa hipótese: a de que a gordura seria um combustível superior para o corpo.
Somando-se todos esses pontos, podemos afirmar com certeza que seu corpo não precisa da ingestão de carboidratos para ter combustível.
Resumindo: o corpo precisa de glicose, mas essa glicose pode ser produzida por meio das proteínas e gorduras que você ingerir.
E o restante da sua energia pode vir por meio dos corpos cetônicos – que são produzidos através da gordura também.
O que nos leva à segunda questão.
Pergunta #2: O Carboidrato É Realmente O Combustível Preferido Do Nosso Organismo?
Muita gente faz esta pergunta porque, quando o corpo recebe um aporte tanto de gordura quanto de carboidratos, ele queima primeiramente o carboidrato (e não a gordura).
E isso é fato.
Mas por que isso acontece?
Antes de mais nada, é importante fazer uma distinção: ser o preferido e ser queimado primeiro são termos com significados diferentes.
Sendo que o corpo realmente prefere utilizar primeiro o carboidrato – mas isso porque o carboidrato em excesso é mais tóxico para o nosso organismo do que a gordura.
Um exemplo dessa toxicidade é o de que, quando você tem níveis elevados de glicose no sangue, o seu corpo tende a transformar parte dessa glicose em triglicerídeos – para poder “se livrar” dessa grande quantidade de glicose na corrente sanguínea.
(Um outro ponto que mostra a toxicidade do excesso de glicose no sangue é o caso dos diabéticos, os quais tendem a demonstrar níveis de glicemia cronicamente elevados.
Sendo que essa condição de hiperglicemia pode levar a vários problemas a longo prazo, como por exemplo cegueira ou até mesmo amputação dos membros.)
Por fim, também podemos ressaltar o fato de que nosso corpo prefere armazenar energia sob a forma de gordura, em vez da forma de glicose.
Basta observar que nosso organismo tem um depósito de gordura bem grande – especialmente se comparado ao de glicose.
E isso é verdade mesmo no caso de pessoas bem magras: elas têm muito mais calorias estocadas na forma de tecido adiposo do que na de glicogênio.
Ou seja, por ser mais fácil para o corpo guardar a gordura, ele “prefere” queimar glicose.
O corpo até tem um depósito de glicose, que é o glicogênio, nos músculos e no fígado, mas ele é menor e bem limitado: totalizando cerca de 400g de glicose no total, sendo difícil expandir esse limite.
Por outro lado, o reservatório de gordura pode crescer quase que indefinidamente:
Sendo assim, podemos concluir que é muito diferente dizer que uma fonte de energia é utilizada primeiramente e dizer que ela é o “combustível preferido” do corpo.
Porque o nosso corpo tem flexibilidade suficiente para queimar ambos os substratos (isto é, tanto os carboidratos quanto a gordura) como combustível.
(Nesse contexto, nem faz muito sentido chamar algum deles de “preferido” – uma vez que o corpo consegue tranquilamente metabolizar ambos.)
E a confusão entre esses dois conceitos (“queimado primeiro” e “combustível preferencial”) é simplesmente um erro de lógica.
Até porque, se assumirmos que a fonte de energia que é utilizada primeiro é a fonte preferida, então o carboidrato não seria mais o “preferido”.
Pois existe um outro nutriente, que o nosso corpo pode usar, e que é queimado antes da gordura e até mesmo antes da glicose dos carboidratos.
Você sabe qual é?
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A Verdadeira Fonte De Energia Priorizada Pelo Corpo
É o álcool.
Isso porque o etanol (álcool) é tóxico – aliás, mais do que a glicose – e o nosso corpo deseja se livrar dele o quanto antes.
Por isso, quando ingerimos álcool, o fígado trabalha em uma série de reações para metabolizá-lo, com uma prioridade maior do que a de qualquer outro nutriente – inclusive a glicose e a gordura.
Então, se fosse verdade que “queimar uma fonte de energia primeiro” é o mesmo que ela ser nosso “combustível favorito”…
Poderíamos considerar que os humanos seriam seres movidos a álcool – e que essa devia ser a base da nossa alimentação.
E todos sabemos que isso não é verdade – apesar de algumas pessoas tentarem viver isso na prática ;)
(Se interessou pelo metabolismo do álcool no contexto de uma dieta low-carb? Conheça o livro Low-Carb On The Rocks.)
Pergunta Bônus: Sem Carboidratos, O Corpo Queima Nossos Músculos?
Por fim, vale fazer uma observação baseada no que o nosso leitor falou.
Pois o João Pedro apresentou uma preocupação referente à manutenção da massa magra.
Ele temia que, na falta de carboidratos, seu corpo preferiria destruir seus músculos (para utilizá-los como energia) do que queimar gordura – o que não acontece.
E, para elucidar essa questão, separamos três pontos importantes.
Ponto #1) O corpo humano pode produzir toda a glicose de que necessita – sem precisar quebrar seus músculos
Conforme falamos acima, nosso organismo consegue produzir glicose por conta própria – por meio do processo conhecido como gliconeogênese.
E ele consegue produzi-la em grande quantidade, o suficiente para suprir toda a sua demanda.
Essa glicose pode ser produzida pelos aminoácidos livres (presentes em sua corrente sanguínea e que vieram da sua alimentação) e também pela gordura (tanto aquela vinda da sua comida, quanto aquela estocada no seu corpo).
Sendo que os aminoácidos que você ingere estão muito mais facilmente disponíveis para seu corpo do que aqueles que estão na forma de músculos.
Ou seja, seu corpo consegue produzir toda a glicose que necessita sem precisar quebrar seus músculos para isso.
E isso faz total sentido evolutivo – conforme vamos ver no ponto #3.
Ponto #2) A gordura pode ser utilizada como fonte de energia
A gordura que ingerimos, ou mesmo a de nosso tecido adiposo, pode ser utilizada como combustível.
Para tanto, o fígado precisa primeiramente transformar essa gordura em corpos cetônicos – e são esses corpos cetônicos que nosso corpo consegue utilizar como fonte de energia.
Inclusive, essa pode ser um combustível até mais interessante, como já vimos, principalmente para indivíduos que já estão adaptados a queimar gordura.
Para muita gente, essa é uma fonte de energia que inclusive aumenta a clareza mental e a sensação de saciedade – conforme algumas pessoas que fazem dieta cetogênica afirmam.
E, como esses corpos cetônicos são produzidos por meio da gordura da sua alimentação ou da gordura que você tem armazenada, um “efeito colateral” desse processo tende a ser o emagrecimento.
Ponto #3) Queimar músculos não faz sentido evolutivo
Para finalizar essa questão, a gente separou um argumento lógico e também uma abordagem com um viés evolutivo.
Isto é, vamos pensar um pouco do ponto de vista da evolução de nossa simpática espécie sobre a Terra.
Apenas recentemente em nossa história a espécie humana começou a ter agricultura (plantações), viver em sociedade, e ter mercados e geladeiras.
Antes disso, nossos antepassados eram nômades, caçadores-coletores, sempre em busca de comida e melhores condições para viver.
Ou seja, não era sempre que eles tinham comida disponível – e muito menos comiam a cada 3 horas.
Na verdade, pensando nesse cenário, fica fácil imaginar que eles passavam muitas horas, e até mesmo alguns dias, em busca de comida.
Seja ela uma árvore carregada de frutos, uma presa viva, ou mesmo alguma carcaça fresca deixada por outro animal.
Nesse caso, você acha mesmo que o corpo, tendo gordura armazenada, gordura da alimentação e aminoácidos da alimentação, iria preferir quebrar os seus músculos como fonte de energia?
Imagine o seguinte cenário:
Se o corpo começasse a quebrar os seus músculos, ficaria cada vez mais difícil conseguir caçar, coletar frutos de uma árvore, ou mesmo mastigar – afinal, mesmo a mandíbula é movida por músculos.
E certamente a espécie humana não teria chegado até aqui se isso fosse verdade, não é mesmo?
Ou seja, queimando músculos como fonte de energia, ao longo do tempo você iria acabar virando um vegetal, incapaz até mesmo de se alimentar e mastigar por conta própria.
Não é isso que o corpo quer – e nem é isso que ele faz.
Pelo contrário: na verdade, o que faria sentido evolutivo numa ocasião de fome seria o corpo ficar mais “motivado” a buscar alimentos.
E isso é corroborado por algumas evidências, que mostram aumentos sutis do metabolismo e o nessas situações (mediados pelo aumento dos hormônios associados ao impulso de “lutar ou correr”), conforme estudos começam a mostrar.
(Nesse mesmo contexto, muitas pessoas inclusive afirmam se sentir mais eufóricas e atentas após muitas horas de jejum.)
O que é especialmente importante em uma espécie que foi nômade a maior parte de sua história, e que tinha que caçar ou procurar comida para se manter viva.
Por fim, além desses três pontos, vale a pena falar de estudos e pesquisas bem feitos e atuais – e que simulam ao máximo um cenário real.
Estamos falando de estudos científicos que comparam jejum intermitente com restrição calórica simples.
Em ambos os casos, e estando os indivíduos em um déficit calórico semanal (para o emagrecimento), é comum que se perca um pouco de massa magra juntamente com a gordura.
Porém, foi observado que, no caso dos grupos que praticavam o jejum intermitente, uma parte maior do peso perdido vinha da gordura.
Já nos grupos que praticaram apenas restrição calórica simples, uma parte comparativamente maior desse peso perdido vinha da diminuição da quantidade de massa magra (músculos).
E agora você pode estar pensando:
Mas o que isso tem a ver com a restrição de carboidratos?”
Bom, nós julgamos interessante citar esse tipo de estudo porque esse é um cenário que se aproxima bastante da questão da queima de massa muscular contra a queima de gordura na ausência de carboidratos.
Isso porque, no jejum, você não está comendo nenhum macronutriente: nem carboidrato e nem gordura.
Então, seu corpo tem basicamente três opções para queimar como fonte de energia.
- seus músculos,
- seu glicogênio,
- e sua gordura corporal
E nesse estado de jejum, fica claro e comprovado que o corpo prefere queimar a gordura do que os músculos.
E, de fato, associar jejum intermitente a uma dieta low-carb pode trazer ainda mais resultados.
Relacionado: Cardápio Completo Para 147 Dias De Low-Carb + Livro De Receitas Low-Carb
Conclusão E Palavras Finais
Chegamos ao final do texto, e esperamos ter deixado clara nossa visão a respeito da suposta preferência do corpo em queimar glicose.
Resumidamente, vimos que o corpo não “prefere” queimar glicose, e que isso é um erro de lógica.
Que, na verdade, ele queima glicose primeiro porque ela é mais tóxica do que a gordura.
Também mostramos que a energia do nosso corpo não precisa vir necessariamente da glicose: ela pode vir também dos corpos cetônicos que o corpo produz a partir das gorduras.
Por último, mostramos que seu corpo não quer e não vai queimar seus músculos como fonte de energia, uma vez que ele possui fontes melhores e de mais fácil acesso (como os ácidos graxos, os aminoácidos livres, e até mesmo os corpos cetônicos).
Por fim, se você gostou desse texto…
Ou se você conhece alguém que tenha essa mesma dúvida…
Ou alguém que pensa que você vai morrer e perder músculo por fazer uma dieta low-carb ou algum protocolo de jejum intermitente, compartilhe este texto com essa pessoa.
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Assim, ninguém mais vai te perturbar pelas suas escolhas alimentares.
Porque você está muito seguro e resguardado pela ciência. ;)
Referências
Para deixar a leitura mais fluída, agrupamos aqui algumas das referências utilizadas no texto:
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2405717
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10837292
- http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1467-789X.2011.00873.x/full
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4271639/
- https://www.researchgate.net/publication/232165305_Low-Carbohydrate_Diets_Promote_a_More_Favorable_Body_Composition_Than_Low-Fat_Diets
Olá! quantos gramos de carboidratos tem no figado?
Bom dia Marieta.
É algo bastante variável principalmente de acordo com o tamanho da pessoa.
Mas não chega a ser relevante quando você pensa no processo de emagrecimento como um processo de longo prazo.
Forte abraço.
Ótimo texto! Parabéns!
Oi João, boa noite
Muito obrigado pelos elogios.
Forte abraço.
Bom dia, a partir da Guiné- Bissau, um dos países de África.
Estou muito feliz em entender o porquê que o corpo queima primeiro a glicose e não a gordura. Tem a ver com a toxicidade que ela apresenta. Isso é muito boa informação para mim. Muito obrigado.
Oi Paulus, tudo bem?
Nós que agradecemos. Um prazer que nos acompanhe daí.
Forte abraço!