Nutricionismo: O Que É, E Por Que Fugir Dele

Nutricionismo: você sabe o que é isso?”

Existem grandes chances de que você jamais tenha ouvido falar em “nutricionismo”.

E, de fato, esta não é uma palavra muito conhecida ou usada.

No entanto, é importante que você saiba exatamente o que é nutricionismo.

Porque essa espécie de “filosofia” está invadindo cada vez mais espaços — desde faculdades de nutrição até matérias jornalísticas e conversas do dia a dia.

E as pessoas não vão falar na palavra “nutricionismo”.

Mas, ao conhecer este conceito, você saberá reconhecer quando o nutricionismo estiver se escondendo por trás de alguma fala.

Por isso, leia este artigo até o final.

Pois este é o momento em que você vai começar a “enxergar a Matrix”.

Você passará a ver uma das principais ideias que moldam o discurso sobre alimentação saudável atualmente.

E a quem interessa propagar esse tipo de ideologia.

Então vamos direto ao assunto.

Nutricionismo — O Que É Isso

Como você percebeu, “nutricionismo” é uma palavra diferente de “nutricionista” ou de “nutrição”.

Pois nutricionismo é um termo que foi inventado pelo australiano Gyogy Scrinis, e popularizado pelo escritor americano Michael Pollan.

E você pode notar que ele começa com “nutri” (relacionado à comida) e apresenta o sufixo “ismo”— que não está aí por acaso.

Pois esse sufixo aparece justamente para sugerir a noção de ideologia ou crença.

Ou seja: algo que não necessariamente é respaldado pela ciência.

Sendo assim, o nutricionismo é uma espécie de ideologia a respeito da nutrição.

E, em resumo, ele prega o seguinte.

  1. O que realmente importa na comida que comemos é a soma de seus nutrientes.
  2. A ciência tem o conhecimento de quais seriam esses nutrientes.
  3. Nós devemos formular nossa alimentação para atender as recomendações atuais (pois elas seriam baseadas em ciência).

Se você já está familiarizado com alimentação low-carb, já viu o quanto diretrizes podem estar erradas (item 3).

E, se tem alguma noção de filosofia da ciência, já sabe como a ciência continua a se atualizar (item 2).

Sendo que esses dois itens só vêm para ressaltar o quanto o primeiro item também está errado.

Pois olhar para um alimento como a carne e enxergar apenas “proteínas, gorduras, ferro, vitamina B12, etc, etc”…

É ter uma visão extremamente rasa do que é a alimentação.

Uma visão que ignora o papel importante que a ingestão de carne teve na evolução do ser humano.

E que ignora também crenças culturais — do vegetarianismo e veganismo

…Aos momentos de confraternização ao redor de um bom churrasco.

(Sendo que a carne foi apenas um exemplo — você pode aplicar essa ideia para praticamente qualquer alimento que desejar.)

Dessa forma, vemos que o nutricionismo ignora todo o contexto que existe ao redor da comida.

E tenta reduzi-la a um punhado de nutrientes.

Mas será que isso está correto? É o que vamos ver a seguir.

Resumindo: Nutricionismo é uma espécie de ideologia alimentar, que diz que o que importa são só os nutrientes da comida.

Será Que O Nutricionismo Está Correto?

Se os alimentos forem mesmo apenas a soma de seus nutrientes conhecidos atualmente…

Então, segundo o nutricionismo, poderíamos simplesmente trocar o trabalho maçante de:

por comprar e tomar suplementos, pós e cápsulas.

O que nos faz perceber por que o nutricionismo é uma ideologia tão interessante para a indústria alimentícia e de suplementos: porque ele permite divulgar produtos industrializados como substituição aos alimentos de verdade.

Come pouca fibra? Tome um suplemento.

Não está ingerindo ferro? Tome um suplemento.

Deficiência de B12? Suplemento. Pouca proteína? Suplemento.

E por aí vai.

Dessa forma, os alimentos acabam reduzidos a um emaranhado de nutrientes.

E que, ainda por cima, tendem a ser julgados de maneira simplória, com ideias como “fibras fazem bem à saúde” ou “colesterol faz mal à saúde”.

O que nos leva a glorificar grãos integrais e demonizar gemas de ovos, por exemplo.

(Veja aqui algumas verdades sobre as fibras, e por que não temer o colesterol da alimentação.)

Aprofundando um pouco mais: para o nutricionismo, “um grama de proteína” é sempre “um grama de proteína”.

Sem muita distinção se essa proteína vem de um belo bife, se vem de um ovo caipira, ou se vem na forma de trigo transgênico.

Um grama de carboidrato é simplesmente um grama de carboidrato — e não há distinção se esse carboidrato vem do açúcar, ou do morango, ou da batata doce, por exemplo.

Então, muitas vezes, um produto industrializado como uma bolacha recheada ou um biscoito salgado são vendidos como saudáveis.

Mesmo sendo basicamente uma mistura de diversos tipos de carboidratos (trigo, milho, soja, açúcar, etc), sem muito valor nutricional.

E os fabricantes ainda colocam na embalagem algo como “integral” (porque usaram farinha integral), e “light” porque é pobre em gorduras.

(O que é alardeado como algo bom — pois a gordura foi muito demonizada na nossa sociedade dos anos 60 para cá.)

Sendo assim, essa miscelânea de carboidratos refinados é vendida como opção de lanche saudável — apenas por ser baixa em gordura, ou livre de gordura trans, ou pobre em sódio.

Por quê? Porque apresenta uma certa combinação de macronutrientes, tida como saudável.

Sem considerar a origem desses nutrientes. E essa é a essência do nutricionismo.

Resumindo: Aceitar o nutricionismo como ideologia alimentar implica aceitar que 100g de carboidratos vindos de biscoito são equivalentes a 100g de carboidratos vindos do brócolis.

Sendo que isso bastará para muitas empresas fazerem o marketing de seus produtos como “alimentos saudáveis”.

Na nossa opinião, este é mais um motivo para obedecer à seguinte máxima.

Evite produtos que façam propaganda na televisão.”

Agora que você já entendeu o que é nutricionismo, vamos ver dois exemplos de como essa ideologia pode ser perigosa.

Nutricionismo Na Prática #1 — Resveratrol

Já mencionamos o exemplo do nutricionismo aplicado aos carboidratos, proteínas e gorduras — os chamados macronutrientes.

Agora, vamos ver como essa visão reducionista pode gerar confusões com o caso do resveratrol.

É conhecimento geral que o consumo moderado de vinho teria benefícios para a saúde.

(Não vamos discutir essa afirmação agora, apenas mostrar como o nutricionismo a enxerga.)

Porque especula-se que esses benefícios viriam de um fitoquímico chamado resveratrol.

O que o nutricionismo faz?

Sugere às pessoas que suplementem resveratrol — por acreditar que isso traria os mesmos benefícios que a ingestão de uma taça de vinho com o jantar.

Todavia, essa suplementação não parece surtir o mesmo efeito que tomar o vinho — e podemos imaginar algumas hipóteses de por que isso acontece.

Isso pode, por exemplo, se dever a alguma interação específica entre o resveratrol e algum outro componente do vinho.

(Algum que talvez a ciência ainda não conheça.)

Ou pode ser porque esse outro nutriente ainda desconhecido seja o responsável pelos supostos benefícios do vinho — e não o resveratrol.

Ou ainda: pode não ter nada a ver com micronutrientes.

Por exemplo, pode ser que a quantidade de álcool presente em uma taça de vinho atue como um  como um pequeno agente estressor que acaba por beneficiar nossa saúde.

(De maneira análoga à que o jejum intermitente traz benefícios.)

E pode ser ainda que o “benefício do vinho” nem mesmo seja causado pelo vinho si.

E sim porque o vinho atue como um marcador de um momento de relaxamento, e de menos stress.

Afinal, você nunca vê o vinho sendo consumido por aquela pessoa que come fast-food em pé, olhando para o relógio…

Mas geralmente o vinho vem acompanhado de refeições mais lentas, que proporcionam maior apreciação dos alimentos.

Ou em refeições sociais, junto a familiares, amigos e entes queridos (algo que também é importante para a saúde e longevidade).

A verdade é que ainda não existem estudos conclusivos nesse sentido — e não sabemos se um dia eles existirão.

Mas, nesse meio tempo, continuamos apostando que o vinho em um belo almoço em família ganha da combinação junk food + resveratrol o tempo todo.

Resumindo: A ideia de atribuir a alguns nutrientes, de forma isolada, as qualidades e os benefícios do consumo de determinado alimento é o papel do nutricionismo. Ele parece estar errado em várias instâncias.

Um outro exemplo é o da vitamina E.

Nutricionismo Na Prática #2 — Vitamina E

Claro que ainda é cedo para afirmarmos com certeza…

Mas quem sabe não existe um papel sinergístico entre os diversos nutrientes que compõem os alimentos?

Além do resveratrol que citamos acima, um outro ótimo exemplo disso é o caso da vitamina E.

A vitamina E é um micronutriente presente em alimentos como as oleaginosas, o azeite de oliva, e os vegetais folhosos.

Sendo que a vitamina E é um antioxidante, e tida como algo muito saudável.

De fato, a vitamina E proveniente dos alimentos é muito boa para nossa saúde.

Mas não podemos dizer o mesmo com relação à vitamina E isolada na forma de suplemento.

Isso porque, em um estudo que forneceu vitamina E na forma de suplemento para os participantes, os resultados não foram dos melhores.

Nesse estudo, a suplementação com vitamina E não ajudou a prevenir câncer e nem a diminuir os casos de problemas cardíacos em pacientes com doenças vasculares ou com diabetes mellitus.

Na verdade, o resultado foi pior do que isso: a vitamina E atuou como um estressor a mais, aumentando o fator de risco de doença cardíaca.

Ou seja: não adianta apenas tentar isolar nutrientes. Porque o que esse estudo mostrou é que talvez a vitamina E em si não seja saudável.

E sim que os alimentos que contêm vitamina E é que são, sim, parte de um estilo de vida saudável.

Resumindo: Novamente, as evidências mostram que está na hora pararmos de procurar por uma pílula mágica.

E aceitar que consumir os nutrientes na forma em que eles estavam disponíveis durante nossa evolução (isto é: nos alimentos) tende a ser uma alternativa superior.

Nutricionismo — Um Erro De Lógica

No fim das contas, o nutricionismo nada mais é do que um erro de lógica.

Porque ele se baseia na ideia de que a ciência já sabe tudo o que há para se conhecer sobre alimentação e saúde.

Todavia, temos de aceitar o fato de que o conhecimento humano tem um limite.

E que, se por um lado, nós incentivamos e gostamos de ver cada vez mais estudos científicos sendo feitos para elucidar cada vez mais questões…

Por outro lado, sabemos que imaginar que um dia “saberemos tudo o que há para saber” não passa de uma ilusão.

Esta é uma questão mais “viajada”, que tem a ver com filosofia da ciência e com epistemologia (o estudo do conhecimento em si).

Mas é importante citar aqui, para mostrar mais um aspecto em que o nutricionismo está errado.

E, apenas como exemplo de como a ciência tem evoluído, vamos lembrar o seguinte.

As calorias foram “descobertas” pela primeira vez em meados do século XVIII — e são essenciais para a vida.

(Uma breve história disso é contada em Why Calories Count, da Marion Nestle.)

Depois, descobrimos a necessidade de ingerir aminoácidos e ácidos graxos essenciais. Com isto, temos a importância dos macronutrientes.

Depois de um tempo, descobrimos que precisávamos também de minerais.

E, depois, de vitaminas, como a vitamina C.

Hoje em dia, fala-se em polifenóis.

Em fitonutrientes (ou fitoquímicos).

Em equilíbrio entre os aminoácidos ingeridos — como a relação entre metionina e glicina (presente em alimentos ancestrais como o caldo de ossos).

Que é uma das questões endereçadas pelos defensores de comer do focinho à cauda (mesmo numa dieta carnívora).

O que mais falta descobrir?

Sinceramente, não sabemos — mas, provavelmente, muita coisa.

Porque é muito provável que os diversos nutrientes dos alimentos não estejam ali à toa.

Que eles tenham interações entre si (e que passem informações para os nossos genes) que vão muito além da nossa compreensão atual.

E que não basta misturar macronutrientes, minerais e vitaminas para compor uma “pílula mágica”.

Por mais que a promessa de “pílulas mágicas” apele a algo de fundamental na psicologia humana…

O fato é que ainda temos de comer comida de verdade, pouco processada — e a ciência apenas reforça cada vez mais essa noção.

Pois precisamos desses 4 pilares:

  1. comida de verdade,
  2. movimento inteligente,
  3. descanso adequado, e
  4. bons relacionamentos.

E tentar negar ou substituir algum dos pilares por elementos artificiais é arriscar e colocar em risco a nossa própria saúde.

É o que dá luz a todo tipo de aberrações: de robôs de sexo a suplementos como o Soylent.

Resumindo: Não caia na falácia de acreditar que sabemos tudo o que há para saber sobre saúde.

Pois a ciência desvenda cada vez mais — mas nunca saberemos tudo. (E nem precisamos saber.)

Dieta Low-Carb: Cuidado Com O Nutricionismo

Poderíamos encerrar o texto por aqui.

Até porque esse assunto é um tanto quanto denso, e você já tem bastante material para refletir neste momento.

No entanto, como divulgadores de estratégias como a dieta low-carb e a dieta cetogênica (aqui explicamos a diferença entre elas), achamos importante fazer esta última observação.

A de que evitar o nutricionismo também é fundamental nessas estratégias alimentares.

Até porque é 100% possível montar uma dieta low-carb baseada em óleo de soja com salsicha.

(Vai ser uma dieta realmente bem baixa em carboidratos — e que talvez até mesmo atinja as proporções de uma dieta cetogênica clássica.)

E é possível mesmo que você emagreça com uma dieta “lixo” como essa — inclusive sem fazer exercícios.

No entanto, isso não significa que seja um estilo de vida saudável.

Por isso, reforçamos: seja qual for a sua estratégia alimentar, coma comida de verdade.

Lembre-se dos benefícios de se exercitar.

E durma bem (estas dicas podem ajudar).

Pois não existe milagre que substitua cuidar das bases do seu estilo de vida.

Resumindo: Não existe um “atalho” que nos permita ignorar que a qualidade dos alimentos (e a prática de bons hábitos) é importante. Por isso, cuidado com o nutricionismo também na dieta low-carb.

Conclusão E Palavras Finais Sobre O Nutricionismo

Conforme vimos, tentar substituir alimentos de verdade por suplementos alimentares é uma estratégia furada.

Que se baseia em premissas erradas (como a de que podemos emular os benefícios de comer comida de verdade usando ingredientes feitos em laboratório).

Sendo assim, o melhor que podemos fazer por nossa saúde é simplesmente comer da forma como evoluímos.

E o melhor antídoto para o nutricionismo é justamente parar de procurar algum tipo de pílula mágica da saúde — que seria vendida em potes coloridos, com rótulos bonitos, cheios de marketing.

Para a maioria das pessoas, provavelmente o simples é o que funciona melhor: seguir o paradigma evolutivo.

E para isso, mais uma vez, basta comer mais comida de verdade.

Porque, se você quer fontes excelentes de macronutrientes, vitaminas e minerais então foque em comer comida minimamente processada, como

  • carnes,
  • ovos,
  • vísceras,
  • caldo de ossos,
  • diversos tipos de vegetais, até mesmo
  • alguns tipos de frutas.

De preferência, dando uma pausa para seu corpo eventualmente (isto é, fazendo algum tipo de jejum intermitente).

Desse modo, você comerá os alimentos que nós seres humanos evoluímos comendo — e nutrirá seus genes da formo como eles esperam ser nutridos.

O que inclui o estilo de vida também.

Tomar um pouco de sol, dormir bem, e se movimentar sempre que possível são pequenas medidas — e que ainda por cima são gratuitas — que podem fazer muita diferença em nossa saúde.

Isso tudo em conjunto vai te levar a ter uma vida mais feliz, mais longa e mais saudável ao lado daqueles que você ama.

Porque de uma coisa você pode ter certeza: não é um exótico composto que foi isolado em laboratório que vai fazer isso por você.

E nem vai compensar um estilo vida “todo errado”.

Esperamos que você tenha gostado do post de hoje.

Que ele te ajude a praticar um ceticismo inteligente, que desconfia das promessas milagrosas de remédios e suplementos…

E que você deixe seu comentário aqui embaixo — porque vamos adorar continuar essa conversa com você!

Forte abraço,
— Guilherme e Roney, do Senhor Tanquinho.

Referências

  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23102619
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10940346
  3. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/425958
  4. https://www.hindawi.com/journals/tswj/2012/929067
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15769967

2 comentários em “Nutricionismo: O Que É, E Por Que Fugir Dele”

  1. Wellington Lima de Oliveira

    Gostei muito do artigo, concordo plenamente com ele. Muitas vezes complicamos algo que não deveríamos. Nosso corpo evoluiu durante muito tempo usando as coisas como achávamos na natureza. Então intuitivamente os alimentos em sua forma menos processada possível tem o que nosso corpo aprendeu e foi adaptado a usar. Agora me restou uma dúvida… Talvez seja só impressão minha, mas a maneira. Mas a maneira como vocês se referem as frutas nesse trecho:

    Porque, se você quer fontes excelentes de macronutrientes, vitaminas e minerais então foque em comer comida minimamente processada, como

    carnes,
    ovos,
    vísceras,
    caldo de ossos,
    diversos tipos de vegetais, até mesmo
    alguns tipos de frutas.

    Dá a impressão de que as frutas mesmo sendo comidas não processadas sejam, pelo menos em parte, nocivas.
    Isso se deve à base da estratégia das dietas low-carb? À maneira como a pecuária evoluiu?

    Porque recentemente uma pesquisa com metadados descobriu que o aumento consumo de frutas (em sua forma natural obviamente) seria capaz de pervinir a morte por vários tipos de doenças

  2. Maria Do Carmo Define

    Olá sr. tanquinho …gostei muito deste artigo e a forma como foi apresentado o NUTRICIONISMO. Embora tenha sido esclarecedor surgiram dúvidas. Uso suplementação orientado por um médico e chego a pensar até antes de ler este artigo que devo rever com ele a necessidade de tanto suplementação. Penso até que pode estar impactando minha perda de peso eterno platô. O que vocês tem a dizer sobre isso? obrigada

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